sábado, 24 de dezembro de 2011

O Secretário Adjunto - SEE, João Palma Filho cumpre acordo firmado com a Associação dos Professores de Filosofia e Filósofos do Estado de São Paulo em relação ao quadro curricular, mantendo duas aulas nos três anos do Ensino Médio. Faltou encaminhar conforme consta em nossa circular

Atenção professores de filosofia e Sociologia: O Secretário Adjunto - SEE, João Palma Filho cumpre acordo firmado com a Associação dos Professores de Filosofia e Filósofos do Estado de São Paulo em relação ao quadro curricular, mantendo duas aulas nos três anos do Ensino Médio. Faltou encaminhar conforme consta em nossa circular abaixo: “Solicitamos ainda que seja estudada a inclusão da disciplina no Ensino Fundamental II, o que já é feito por inúmeras escolas particulares. O Secretário Adjunto ponderou sobre a possibilidade de incluir a Filosofia como disciplina optativa nesse nível de ensino”.
Leiam a ata abaixo e o anexo.
Favor divulgar essa informação.

Atenciosamente,

Executiva
Presidente:............................................Aldo Santos (S. Bernardo de Campo);
Vice-presidente:.....................................Chico Gretter (Lapa, São Paulo);
Secretário: ............................................José de Jesus (Osasco);
Diretor de comunicação e propag.:....... Cícero Rodrigues da Silva (Zona Sul);
Tesoureiro:.............................................Anizio Batista de Oliveira (Centro);
Diretor de políticas pedagógicas:..........Antonio Celso de Oliveira (Guarulhos);
Diretor de relações institucionais:..........Rita Leite Diniz (Salto, SP).
Diretoria de Base
Alan Aparecido Gonçalves, Professor em SBC; Chirlei Bernardo do Nascimento, Professora em Guarulhos; Gilmar Soares de Oliveira, Professor em Santo André; Celso Augusto Torrano, Professor em Osasco; Marcelo Henrique P. Naves, na Z. Norte; Jairo de Sousa Melore, Professor em Mongaguá; Edson Genaro Maciel, Licenciado em Filosofia, Araçatuba; Fernando Borges Correia Filho, professor em Taubaté; Carlos Rocha, Licenciado em Filosofia Hortolândia-Campinas; Alexandre dos Santos Yamazaki, professor na Lapa-capital; Sady Carlos de Souza, Professor em Rio Pequeno; Anderson Grange, Professor em Jundiaí; Marco Aurélio P. Maida, professor em Suzano.
São Paulo, 05 de dezembro de 2011.
• Entrem em contato conosco e filiem-se à: www.aproffesp.blogspot.com
• E-mail: aproffesp@gmail.com




A APROFFESP É RECEBIDA PELA SECRETARIA DA EDUCAÇÃO
A Associação dos Professores de Filosofia e Filósofos do Estado de São Paulo – APROFFESP – foi recebida pelo Secretário Adjunto - SEE, João Palma Filho, no dia 1º de dezembro, quinta-feira passada. Estavam presentes os diretores Aldo Santos, Chico Gretter, José de Jesus, Gilmar e Anízio Batista.
Continuando sua tradição de luta desde quando foi criada em 2009, a APROFFESP solicitou essa reunião para discutir assuntos de interesse dos professores de Filosofia e apresentar nossas reivindicações. Como sabemos, a volta da Filosofia e da Sociologia ao Ensino Médio não foi presente dos deuses nem beneplácito de nenhum governo.
Aliás, é bom lembrar que o ex-presidente e também sociólogo, Fernando Henrique Cardoso, em 1996, vetou a Lei do Dep. Padre Roque (PT/PR), aprovada por unanimidade na Câmara dos Deputados, que colocava como disciplinas a Filosofia e a Sociologia, alterando o mal interpretado Art. 36 da LDB/1996. Somente em 2008, o PLC 04/08, depois de mais doze anos (!) de luta, foi aprovado no Senado e sancionado pelo então vice-presidente, José Alencar, tornando obrigatórias as citadas disciplinas no Ensino Médio em todas as escolas do Brasil, públicas e particulares.
Os assuntos e reivindicações apresentadas foram, em sínteses, os seguintes:
• A garantia de que no ano de 2012 nossas disciplinas tenham, em todas as séries, pelo menos duas aulas, embora tenhamos solicitado três aulas, o que refletiria um currículo verdadeiramente equilibrado. O Secretário Adjunto garantiu que nenhuma disciplina terá menos de duas aulas a partir do ano que vem e que haverá uma discussão curricular com a rede, envolvendo todos os componentes, que será encaminhada pela Coordenadoria da Gestão da Educação Básica;
• Solicitamos a rediscussão dos atuais “Cadernos de...”, enviados pelo governo que, no caso da Filosofia, deixam muito a desejar quanto ao conteúdo, à metodologia, sem contar na logística de distribuição que é péssima e ineficiente. João Palma ratificou que haverá esta discussão e que a APROFFESP será chamada para o debate, assim como todas as outras entidades que representam os professores;
• Conseguimos a dispensa de ponto para pelo menos três reuniões anuais para os professores de Filosofia, sendo dois deles regionais e um Encontro Estadual a ser marcado para 2012;
• Discutimos o preocupante Parecer 373/11, 26-11-2001, do Conselho Estadual de Educação, sobre a grade curricular do Colégio Rio Branco, no que se refere às aulas de Filosofia e Sociologia, deliberando a favor de um verdadeiro absurdo e que contraria a LDB, pois continua tratando nossas disciplinas como meros “conhecimento de...”, retomando o Art. 36, que já foi alterado pelo PLC/08, conforme acima citado. Aliás, o Colégio Rio Branco chega a criar um neologismo, dizendo que uma tal “Sociofilosofia é componente curricular oferecido no 3º ano do Ensino Médio...”. O Sr. João Palma considerou isto uma ignorância legal epistemológica e nos orientou a procurar o Ministério Público para fazer valer a LDB;
• Seguindo a mesma linha, apresentamos o relatório de Catanduva, que exemplifica uma forte tendência incrustada na burocracia das redes públicas e particular de ensino, que continuam achando que os conteúdos das disciplinas Filosofia e Sociologia podem ser tratados por História, Geografia, Português, etc. E com o velho argumento de FHC, de que “não há professores suficientes” dessas disciplinas. Todos sabemos que a falta de professores de vários componentes curriculares é generalizada na rede pública e que não é retirando a disciplina que se resolve o problema. É o mesmo que acabar com a maternidade de um hospital alegando o fato, mesmo que fosse real, de que não há médicos pediatras! Ou de que a pediatria possa ser substituída pela urologia e por aí vai. Chega de "enrrolação" e do famigerado “jeitinho brasileiro”!
• O Secretário Adjunto nos afirmou que, para sanar deficiências da oferta de professores em algumas áreas, haverá cursos de especialização feitos nas Escolas de Formação da Secretaria da Educação. Enquanto isso, o próprio mercado irá respondendo à falta de professores de Filosofia, abrindo novos cursos ou ampliando vagas nas faculdades onde já existem. Há que se dar um tempo normal para sanarmos a defasagem histórica de nossa disciplina, que foi alijada pela burocracia educacional tecnicista da ditadura militar através da Lei 5.692/71.
• Solicitamos ainda que seja estudada a inclusão da disciplina no Ensino Fundamental II, o que já é feito por inúmeras escolas particulares. O Secretário Adjunto ponderou sobre a possibilidade de incluir a Filosofia como disciplina optativa nesse nível de ensino.

Queremos deixar claro que não estamos defendendo a presença da Filosofia ou da Sociologia de forma meramente corporativa, mas porque temos plena convicção de que esses componentes são fundamentais na educação de nossos jovens, seja na aquisição de competências básicas, como, por ex., a leitura e compreensão de textos de forma significativa, como na formação da pessoa e do cidadão “crítico, consciente e criativo”, como repete por aí um “pedagogês”, que poucos entendem e quase ninguém leva a sério. Se tal contribuição da Filosofia já se tornou até senso comum, sendo aceita por todos os segmentos da sociedade, por que alguns ainda continuam a protelar e a contestar sua efetiva presença no currículo das escolas?
Sem falar nos que a acusam de ser uma “disciplina ideológica”, como se as “ideologias” restringissem a sua atuação à Filosofia ou à Sociologia. Quer discurso mais ideológico do que este? Sugerimos que leiam o clássico livro da filósofa Marilena Chauí, “O que é ideologia?” (1981). A reflexão filosófica, desde Sócrates, procura justamente desmascarar as meias verdades e apontar as “lacunas” da ideologia e é por isso que os grupos sociais dominantes têm medo da Filosofia e procuram de todas as maneiras afastá-la de nossos jovens, principalmente os das camadas populares que, em sua maioria, estudam na escola pública. Afinal, dizem eles, “filosofia é inútil e não enche a barriga de ninguém”, revelando assim seu viés elitista e excludente de educação, o que é altamente ideológico.
Aos que reclamam que haverá menos aulas de Português ou Matemática, lembramos que tais aulas nos foram subtraídas num passado recente, alegando que o seu aumento para esses componentes curriculares iria melhorar a qualidade do ensino, que os alunos iriam aprender melhor os fundamentos da matemática, iriam aprender melhor a escrever, a ler, interpretar textos, etc. Ora, com os alunos tendo aulas diárias dessas disciplinas desde a pré-escola, passando pelo Fundamental I e II e nas três séries do Ensino Médio, parece que não estamos conseguindo atingir esses objetivos básicos da educação formal. O que está errado? Então vamos colocar aulas de português e matemática também aos sábados e domingos? Aumentar os dias letivos? Quem pensa assim está partindo de uma premissa completamente equivocada de que os alunos só aprendem a falar, escrever bem e racionar com lógica, nas aulas de Língua Portuguesa e de Matemática. Sabemos que não é assim e que o problema do aprendizado não se limita a um ou dois componentes curriculares.
Defendemos a idéia de um currículo equilibrado, o que supõe o mínimo de duas aulas para nossas disciplinas. Seria melhor três! Certamente a maioria consciente dos professores entende e aceita esse princípio. Quem não quer entender são os donos das grandes redes de escolas do ensino privado em cuja lógica do lucro e do mercado baseiam seus argumentos e práticas, nem sempre preocupados com a verdadeira qualidade de ensino que todos usam em suas lindas e coloridas propagandas.
O Secretário Adjunto, João Palma, ainda se comprometeu a estudar a possibilidade de a CENP publicar a “Coletânea de Textos Filosóficos” elaborada por professores sob organização da Secretaria de Educação do Estado do Paraná. Tal solicitação já havia sido feita à ex-coordenadora da CENP, Professora Valéria de Souza, com a qual estivemos reunidos em 2010. Pediu também à Professora Teônia, membro da Equipe Técnica de Filosofia, presente à reunião, que verifique a possibilidade de republicação da “Proposta Curricular para o Ensino de Filosofia – Ensino Médio”, de 1992. Esta Proposta foi fruto de intensas discussões/reuniões/encontros realizados no final dos anos 80 e início dos 90, sintetizando riquíssima contribuição dos professores da rede pública e das universidades, como PUC/SP, USP, UNESP, UNICAMP...
Tendo em vista o acima exposto, comunicamos a todos os professores de Filosofia as nossas atividades e conquistas, conclamando todos que participem de nossa luta para que a Filosofia seja respeitada e venha a ocupar efetivamente o seu espaço de direito no currículo da Educação Básica. Estamos conscientes de que ela não é a salvadora da educação nem a detentora exclusiva da formação crítica, mas também sabemos de que sem ela a educação perde um componente cuja contribuição específica na formação do aluno, pessoa, profissional e cidadão, é muito importante e por que não dizer essencial.
São Paulo, 05 de dezembro de 2011.
DIRETORIA DA APROFFESP
(Associação dos Professores de Filosofia e Filósofos do Estado de São Paulo)

O Secretário Adjunto - SEE, João Palma Filho cumpre acordo firmado com a Associação dos Professores de Filosofia e Filósofos do Estado de São Paulo em relação ao quadro curricular, mantendo duas aulas nos três anos do Ensino Médio. Faltou encaminhar conforme consta em nossa circular

Atenção professores de filosofia e Sociologia: O Secretário Adjunto - SEE, João Palma Filho cumpre acordo firmado com a Associação dos Professores de Filosofia e Filósofos do Estado de São Paulo em relação ao quadro curricular, mantendo duas aulas nos três anos do Ensino Médio. Faltou encaminhar conforme consta em nossa circular abaixo: “Solicitamos ainda que seja estudada a inclusão da disciplina no Ensino Fundamental II, o que já é feito por inúmeras escolas particulares. O Secretário Adjunto ponderou sobre a possibilidade de incluir a Filosofia como disciplina optativa nesse nível de ensino”.
Leiam a ata abaixo e o anexo.
Favor divulgar essa informação.

Atenciosamente,

Executiva
Presidente:............................................Aldo Santos (S. Bernardo de Campo);
Vice-presidente:.....................................Chico Gretter (Lapa, São Paulo);
Secretário: ............................................José de Jesus (Osasco);
Diretor de comunicação e propag.:....... Cícero Rodrigues da Silva (Zona Sul);
Tesoureiro:.............................................Anizio Batista de Oliveira (Centro);
Diretor de políticas pedagógicas:..........Antonio Celso de Oliveira (Guarulhos);
Diretor de relações institucionais:..........Rita Leite Diniz (Salto, SP).
Diretoria de Base
Alan Aparecido Gonçalves, Professor em SBC; Chirlei Bernardo do Nascimento, Professora em Guarulhos; Gilmar Soares de Oliveira, Professor em Santo André; Celso Augusto Torrano, Professor em Osasco; Marcelo Henrique P. Naves, na Z. Norte; Jairo de Sousa Melore, Professor em Mongaguá; Edson Genaro Maciel, Licenciado em Filosofia, Araçatuba; Fernando Borges Correia Filho, professor em Taubaté; Carlos Rocha, Licenciado em Filosofia Hortolândia-Campinas; Alexandre dos Santos Yamazaki, professor na Lapa-capital; Sady Carlos de Souza, Professor em Rio Pequeno; Anderson Grange, Professor em Jundiaí; Marco Aurélio P. Maida, professor em Suzano.
São Paulo, 05 de dezembro de 2011.
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• E-mail: aproffesp@gmail.com




A APROFFESP É RECEBIDA PELA SECRETARIA DA EDUCAÇÃO
A Associação dos Professores de Filosofia e Filósofos do Estado de São Paulo – APROFFESP – foi recebida pelo Secretário Adjunto - SEE, João Palma Filho, no dia 1º de dezembro, quinta-feira passada. Estavam presentes os diretores Aldo Santos, Chico Gretter, José de Jesus, Gilmar e Anízio Batista.
Continuando sua tradição de luta desde quando foi criada em 2009, a APROFFESP solicitou essa reunião para discutir assuntos de interesse dos professores de Filosofia e apresentar nossas reivindicações. Como sabemos, a volta da Filosofia e da Sociologia ao Ensino Médio não foi presente dos deuses nem beneplácito de nenhum governo.
Aliás, é bom lembrar que o ex-presidente e também sociólogo, Fernando Henrique Cardoso, em 1996, vetou a Lei do Dep. Padre Roque (PT/PR), aprovada por unanimidade na Câmara dos Deputados, que colocava como disciplinas a Filosofia e a Sociologia, alterando o mal interpretado Art. 36 da LDB/1996. Somente em 2008, o PLC 04/08, depois de mais doze anos (!) de luta, foi aprovado no Senado e sancionado pelo então vice-presidente, José Alencar, tornando obrigatórias as citadas disciplinas no Ensino Médio em todas as escolas do Brasil, públicas e particulares.
Os assuntos e reivindicações apresentadas foram, em sínteses, os seguintes:
• A garantia de que no ano de 2012 nossas disciplinas tenham, em todas as séries, pelo menos duas aulas, embora tenhamos solicitado três aulas, o que refletiria um currículo verdadeiramente equilibrado. O Secretário Adjunto garantiu que nenhuma disciplina terá menos de duas aulas a partir do ano que vem e que haverá uma discussão curricular com a rede, envolvendo todos os componentes, que será encaminhada pela Coordenadoria da Gestão da Educação Básica;
• Solicitamos a rediscussão dos atuais “Cadernos de...”, enviados pelo governo que, no caso da Filosofia, deixam muito a desejar quanto ao conteúdo, à metodologia, sem contar na logística de distribuição que é péssima e ineficiente. João Palma ratificou que haverá esta discussão e que a APROFFESP será chamada para o debate, assim como todas as outras entidades que representam os professores;
• Conseguimos a dispensa de ponto para pelo menos três reuniões anuais para os professores de Filosofia, sendo dois deles regionais e um Encontro Estadual a ser marcado para 2012;
• Discutimos o preocupante Parecer 373/11, 26-11-2001, do Conselho Estadual de Educação, sobre a grade curricular do Colégio Rio Branco, no que se refere às aulas de Filosofia e Sociologia, deliberando a favor de um verdadeiro absurdo e que contraria a LDB, pois continua tratando nossas disciplinas como meros “conhecimento de...”, retomando o Art. 36, que já foi alterado pelo PLC/08, conforme acima citado. Aliás, o Colégio Rio Branco chega a criar um neologismo, dizendo que uma tal “Sociofilosofia é componente curricular oferecido no 3º ano do Ensino Médio...”. O Sr. João Palma considerou isto uma ignorância legal epistemológica e nos orientou a procurar o Ministério Público para fazer valer a LDB;
• Seguindo a mesma linha, apresentamos o relatório de Catanduva, que exemplifica uma forte tendência incrustada na burocracia das redes públicas e particular de ensino, que continuam achando que os conteúdos das disciplinas Filosofia e Sociologia podem ser tratados por História, Geografia, Português, etc. E com o velho argumento de FHC, de que “não há professores suficientes” dessas disciplinas. Todos sabemos que a falta de professores de vários componentes curriculares é generalizada na rede pública e que não é retirando a disciplina que se resolve o problema. É o mesmo que acabar com a maternidade de um hospital alegando o fato, mesmo que fosse real, de que não há médicos pediatras! Ou de que a pediatria possa ser substituída pela urologia e por aí vai. Chega de "enrrolação" e do famigerado “jeitinho brasileiro”!
• O Secretário Adjunto nos afirmou que, para sanar deficiências da oferta de professores em algumas áreas, haverá cursos de especialização feitos nas Escolas de Formação da Secretaria da Educação. Enquanto isso, o próprio mercado irá respondendo à falta de professores de Filosofia, abrindo novos cursos ou ampliando vagas nas faculdades onde já existem. Há que se dar um tempo normal para sanarmos a defasagem histórica de nossa disciplina, que foi alijada pela burocracia educacional tecnicista da ditadura militar através da Lei 5.692/71.
• Solicitamos ainda que seja estudada a inclusão da disciplina no Ensino Fundamental II, o que já é feito por inúmeras escolas particulares. O Secretário Adjunto ponderou sobre a possibilidade de incluir a Filosofia como disciplina optativa nesse nível de ensino.

Queremos deixar claro que não estamos defendendo a presença da Filosofia ou da Sociologia de forma meramente corporativa, mas porque temos plena convicção de que esses componentes são fundamentais na educação de nossos jovens, seja na aquisição de competências básicas, como, por ex., a leitura e compreensão de textos de forma significativa, como na formação da pessoa e do cidadão “crítico, consciente e criativo”, como repete por aí um “pedagogês”, que poucos entendem e quase ninguém leva a sério. Se tal contribuição da Filosofia já se tornou até senso comum, sendo aceita por todos os segmentos da sociedade, por que alguns ainda continuam a protelar e a contestar sua efetiva presença no currículo das escolas?
Sem falar nos que a acusam de ser uma “disciplina ideológica”, como se as “ideologias” restringissem a sua atuação à Filosofia ou à Sociologia. Quer discurso mais ideológico do que este? Sugerimos que leiam o clássico livro da filósofa Marilena Chauí, “O que é ideologia?” (1981). A reflexão filosófica, desde Sócrates, procura justamente desmascarar as meias verdades e apontar as “lacunas” da ideologia e é por isso que os grupos sociais dominantes têm medo da Filosofia e procuram de todas as maneiras afastá-la de nossos jovens, principalmente os das camadas populares que, em sua maioria, estudam na escola pública. Afinal, dizem eles, “filosofia é inútil e não enche a barriga de ninguém”, revelando assim seu viés elitista e excludente de educação, o que é altamente ideológico.
Aos que reclamam que haverá menos aulas de Português ou Matemática, lembramos que tais aulas nos foram subtraídas num passado recente, alegando que o seu aumento para esses componentes curriculares iria melhorar a qualidade do ensino, que os alunos iriam aprender melhor os fundamentos da matemática, iriam aprender melhor a escrever, a ler, interpretar textos, etc. Ora, com os alunos tendo aulas diárias dessas disciplinas desde a pré-escola, passando pelo Fundamental I e II e nas três séries do Ensino Médio, parece que não estamos conseguindo atingir esses objetivos básicos da educação formal. O que está errado? Então vamos colocar aulas de português e matemática também aos sábados e domingos? Aumentar os dias letivos? Quem pensa assim está partindo de uma premissa completamente equivocada de que os alunos só aprendem a falar, escrever bem e racionar com lógica, nas aulas de Língua Portuguesa e de Matemática. Sabemos que não é assim e que o problema do aprendizado não se limita a um ou dois componentes curriculares.
Defendemos a idéia de um currículo equilibrado, o que supõe o mínimo de duas aulas para nossas disciplinas. Seria melhor três! Certamente a maioria consciente dos professores entende e aceita esse princípio. Quem não quer entender são os donos das grandes redes de escolas do ensino privado em cuja lógica do lucro e do mercado baseiam seus argumentos e práticas, nem sempre preocupados com a verdadeira qualidade de ensino que todos usam em suas lindas e coloridas propagandas.
O Secretário Adjunto, João Palma, ainda se comprometeu a estudar a possibilidade de a CENP publicar a “Coletânea de Textos Filosóficos” elaborada por professores sob organização da Secretaria de Educação do Estado do Paraná. Tal solicitação já havia sido feita à ex-coordenadora da CENP, Professora Valéria de Souza, com a qual estivemos reunidos em 2010. Pediu também à Professora Teônia, membro da Equipe Técnica de Filosofia, presente à reunião, que verifique a possibilidade de republicação da “Proposta Curricular para o Ensino de Filosofia – Ensino Médio”, de 1992. Esta Proposta foi fruto de intensas discussões/reuniões/encontros realizados no final dos anos 80 e início dos 90, sintetizando riquíssima contribuição dos professores da rede pública e das universidades, como PUC/SP, USP, UNESP, UNICAMP...
Tendo em vista o acima exposto, comunicamos a todos os professores de Filosofia as nossas atividades e conquistas, conclamando todos que participem de nossa luta para que a Filosofia seja respeitada e venha a ocupar efetivamente o seu espaço de direito no currículo da Educação Básica. Estamos conscientes de que ela não é a salvadora da educação nem a detentora exclusiva da formação crítica, mas também sabemos de que sem ela a educação perde um componente cuja contribuição específica na formação do aluno, pessoa, profissional e cidadão, é muito importante e por que não dizer essencial.
São Paulo, 05 de dezembro de 2011.
DIRETORIA DA APROFFESP
(Associação dos Professores de Filosofia e Filósofos do Estado de São Paulo)
Seria Sócrates Brasileiro um grande filósofo?

Nas aulas de filosofia, quando indagava algo sobre Sócrates, era comum os alunos fazerem referência ao Sócrates jogador de futebol, que deu significativa contribuição ao esporte e a democracia política, além de ser considerado um marco na luta pela democracia na história do futebol brasileiro.

Eu então reconhecia a sabedoria das respostas dos alunos e, ao mesmo tempo, iniciava a minha exposição sobre a história da filosofia, onde Sócrates de Atenas teve um papel fundamental na reflexão humana, significando para muitos autores um marco na história da filosofia entre os pré e pós-socráticos. Sócrates, filho de Sofrônico, escultor e de Fenareta, parteira, nasceu em Atenas (469-399 a.C.) e o que conhecemos dele teria sido escrito pelos seus discípulos, com destaque para Platão.

Para a escritora e filosofa Marilena Chauí, “sabemos que os poderosos têm medo do pensamento, pois o poder é mais forte se ninguém pensar, se todos aceitarem as coisas como elas são, ou melhor, como nos dizem e nos fazem acreditar que são”. Para os poderosos de Atenas, Sócrates tornara-se um perigo, pois fazia a juventude pensar. Por isso, eles o acusaram de desrespeitar os deuses, corromper os jovens e violar as leis. Levado à assembléia, Sócrates não se defendeu e foi condenado a tomar um veneno, a cicuta.

Por que Sócrates não se defendeu? “porque”, dizia ele, ”se eu me defender, estarei aceitando as acusações, e eu não as aceito. Se eu me defender, o que os juízes vão exigir de mim? Que eu pare de filosofar. Mas eu prefiro a morte a ter que renunciar à filosofia”. (Chauí, Marilena. Iniciação à Filosofia: volume único. pg.45 do capitulo 04. São Paulo: Ática, 2010)
O Sócrates de Atenas está consagrado na história da humanidade pela significativa contribuição do seu método dialógico, sua observação sagaz, sua ruptura com os ensinamentos conservadores de sua época.
Com a morte de Sócrates Brasileiro a mídia, os comentadores esportistas, o meio político e os movimentos sociais são levados a reconhecerem a valiosa contribuição que o mesmo desempenhou em relação ao futebol, a política brasileira, a resistência à ditadura, além de fazer escola com a implementação da democracia Corinthiana, uma verdadeira revolução em um setor onde os jogadores eram joguetes e uma espécie de objetos a serviço dos técnicos e dos interesses capitalistas da máfia do futebol.
No artigo de Daniele Pechi, dentre vários argumentos e respostas elucidativas sobre a democracia Corinthiana,duas indagações chamam atenção dos leitores: “Quais outros eventos da História do Brasil envolveram esporte e política?”
Ela responde que a: “Copa de 1970, em plena ditadura militar, o Brasil foi tricampeão mundial de futebol, ao levar a taça da Copa do Mundo do México, em 1970. Para muitos historiadores e pesquisadores do assunto, o futebol serviu para mascarar a realidade e colocar em segundo plano a violência praticada pelo Estado no período. Durante o governo Médici (1969-1974), um dos mais repressores do período militar, a campanha ufanista do "Pra frente, Brasil" tomou corpo. O slogan divulgava a ideia de um Brasil em pleno desenvolvimento, com a construção de usinas hidrelétricas e outras grandes obras e a seleção vitoriosa era a personificação do sonho desenvolvimentista. Em relação a pergunta inicial do título desse texto, todos precisamos saber: “Qual foi o papel de Sócrates na Democracia Corintiana? O jogador Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira era o principal líder da Democracia Corintiana no chamado "braço operário" do movimento.
Ele foi o grande ideólogo do processo que envolvia os jogadores e a comissão técnica nas decisões do clube e o principal entusiasta da ideia de que o projeto de cidadania e gestão compartilhada que estava sendo implantado no Corinthians poderia se tornar uma ação maior.
Médico de formação, "doutor" Sócrates, como ficou conhecido, tinha interesse político em disseminar a ideia de democracia no Brasil em plena ditadura. Nos anos 1980, ele já era um grande ídolo do país e se engajou politicamente, inclusive na campanha das Diretas Já (movimento popular de reivindicação de eleições diretas para presidente do Brasil nos anos de 1983 e 1984). O jogador acreditava que por meio do futebol, esporte de grande apelo popular no país, ele poderia se tornar um canalizador de informações sobre a importância e a necessidade da democracia. Sócrates participou das Copas do Mundo de 1982 e 1986 e foi um dos maiores jogadores da história do Corinthians “(ler mais no texto: “Democracia Corinthiana, futebol e política” de Daniele Pechi, publicado na revista escolaabril.com.br/)
Ele contextualiza essa ação e lidera um processo que significou um marco na história da cultura esportista brasileira com reconhecimento mundial. Em nota, o MST se manifestou sobre a morte de Sócrates:

“MST lamenta a perda de Sócrates: Um homem que tinha fé no povo brasileiro
O Brasil perde um grande jogador de futebol e um cidadão comprometido com o povo brasileiro e com a classe trabalhadora.

O MST lamenta a morte do grande brasileiro Sócrates, que faleceu neste domingo (4/12/2011).

O nosso Movimento perde um amigo. A doença impediu Sócrates de visitar e conhecer a nossa Escola Nacional Florestan Fernandes, em Guararema (SP), que estava agendada, mas não aconteceu pelas internações.

Estamos todos muito tristes com a morte desse grande companheiro – os militantes corintianos do Movimento ainda mais Sócrates nos deixa um legado de dignidade e brasilidade, que serve de exemplo para todos os jogadores de futebol, esportistas, brasileiros e lutadores do povo.

Um homem que tinha fé no povo brasileiro e na mobilização popular como força para as grandes transformações necessárias para o nosso país. Um forte abraço a todos os familiares e amigos.” (Secretaria Nacional do MST Fonte: http://www.mst.org.br/node/12751 ).

Da mesma forma que a morte de Sócrates de Atenas certamente significou um momento de dor e reflexão para os seus discípulos, a morte do Sócrates Brasileiro num dia triunfal em que seu time predileto se consagrara campeão brasileiro, significou também dor, reflexão, além do reconhecimento público de milhões de brasileiros nos gramados e em todos grandes jornais do mundo.

Ao tentar responder o título do Texto , são várias as afirmativas sobre a definição sobre quem é filosofo. Vários teóricos se debruçam sobre essa polêmica, porém, uma contribuição bastante contextualizada elaborada por Antonio Gramsci vai levantar vários aspectos e caracterizações sobre o tema: “... cabe afirmar que todos os homens são filósofos” para deixar claro que todas as pessoas são potencialmente capazes de avançar de um “filosofar” espontâneo, assistemático, restrito ao senso comum, para um filosofar mais elaborado e rigoroso, semelhante ao praticado pelos filósofos especialistas. Para isso, é necessário que a filosofia e os filósofos estejam em permanente contato com o povo, a fim de ajudarem a promover um avanço cultural de massa e não apenas de pequenos grupos intelectuais.

Só através desse contato é que uma filosofia se torna “histórica”, depura-se de elementos intelectualistas de natureza individual e se transforma em “vida”. (texto elaborado especialmente para o caderno do professor, tendo por base a publicação de Gramsci, conforme bibliografia descrita na pg. 29 do caderno do professor de filosofia, 3ª série, volume 01 do ensino médio.)

Indubitavelmente, Sócrates Brasileiro assim como Sócrates de Atenas, são importantes filósofos de tempos distintos, com contribuições marcantes no processo de transformação das pessoas na sociedade. Ao empregar o método socrático da ironia e da maiêutica, Sócrates Brasileiro “interrogou”, questionou e levou grande parcela da sociedade a “conceberem suas próprias idéias”, inclusive questionando o papel e o uso ideológico do esporte na alienação das pessoas no nosso cotidiano. Inquestionavelmente, Sócrates faz parte do olímpico mundo dos grandes filósofos da humanidade.

Filosofar sempre é preciso!!!

Aldo Santos. Coordenador da APEOESP-SBC, Presidente da Associação dos Professores de Filosofia e Filósofos do Estado de São Paulo, Membro do Coletivo Nacional de Filosofia.
“Os índios nunca foram atrasados”


Carlos Walter Porto Gonçalves critica visão eurocêntrica de “modernidade” e “atraso” e indica a importância da resistência indígena e camponesa

Joana Tavares



O professor Carlos Walter Porto Gonçalves vem dedicando suas análises sobre a Pátria Grande, a América Latina. Um antigo defensor das lutas indígenas e camponesas e ex-assessor de Chico Mendes, ele diz que não faz sentido querer um ambiente sem gente nem um desenvolvimento para as pessoas sem cuidar necessariamente do ambiente. Corrobora com a filosofia do ex-líder sindical e ambientalista, assassinado em 1988: “Não há defesa da floresta sem os povos da floresta”. E também se inclui na filosofia do ecossocialismo, como a união das lutas contra a devastação e o capitalismo. Nesta entrevista, ele fala sobre a América Latina e a posição arrogante do Brasil, critica o projeto e a visão da modernidade e defende a força da luta e das ideias indígenas.

Por que há tanto desconhecimento no Brasil em relação à América Latina?

Carlos Walter Porto Gonçalves – A história do processo colonial, o fato de o Brasil ter sido colonizado por Portugal e a maioria dos países pela Espanha, implica certas diferenças. Nosso continente foi marcado por presenças coloniais diversas, como a inglesa, francesa, holandesa, e ainda há países que são colônias mesmo hoje, como a Guiana Francesa. Mas não é só isso. Parece que a nossa dificuldade de nos aproximar do resto da América Latina e do Caribe não é uma questão de língua – com certo esforço a gente acaba se entendendo –, mas o processo de independência diferenciado. O Brasil não seguiu a ideia do “inventar ou errar” – uma expressão de Simón Rodríguez – dos outros países, que tentaram inventar um regime republicano, diferente do regime monárquico que reinava nas metrópoles colonizadoras. O Brasil foi o único que fez a independência e se manteve como império, inclusive com uma monarquia, com uma casa real. E achava que por ser uma monarquia era superior às “repúblicas de caudilho” da América Latina, expressão que continua a ser usada hoje pelas elites brasileiras e pela mídia. E de certa forma os países de colonização hispânica são obrigados a conhecer um pouco mais uma história que lhes é comum, haja visto que muitos países surgiram se emancipando de outros, como a Colômbia da Venezuela. A história deles tem que se remeter uma à outra. A história do Brasil em face de nossos vizinhos é mais desconfortável, por ter se apropriado de territórios que, a rigor, eram de outros países. Cabe também falar que a maior parte das elites formadas na América Latina continuou preocupada em se integrar com as elites europeias e dos países imperialistas para continuar exportando seus diversos produtos.

Qual o sentido político do termo “América Latina”?

O termo “América Latina” foi usado pela primeira vez por um poeta colombiano, José María Caicedo, num poema chamado “As duas Américas”, em 1854. Ele usou essa expressão com clara posição de tensão em relação à América anglo- saxônica. Ele estava muito impactado pelo que havia acontecido, numa data que todos nós deveríamos ter sempre em mente: 1845- 1848, que é o período da guerra dos EUA contra o México. Quando os EUA fizeram a independência eram apenas as 13 colônias situadas a leste. Todas as terras do Texas até a Califórnia – com todos aqueles nomes em espanhol – foram tomadas do México. De certa forma, o Caicedo dá continuidade ao que Simón Bolívar tinha percebido nos anos de 1820 em função da posição norte-americana em relação ao Haiti, o primeiro país do mundo a abolir a escravidão. O que faz os Estados Unidos? Junto com a França, faz pressão para que o Haiti pague por cada escravo que tinha se tornado livre, o que faz com que o país fique sufocado em dívidas. E Simón Bolívar, que recebeu armas dos revolucionários haitianos para fazer os processos de libertação da América Latina, percebe que a doutrina de Monroe, “América para os americanos”, era para os americanos do norte, para os estadunidenses. Percebeu isso em 1823 e denunciou imediatamente, convocando uma integração entre os países, entre iguais, não uma integração subordinada. Ele usava a expressão “Pátria Grande”, a América integrada; ele dizia que tínhamos uma “pátria chica” – Brasil, Venezuela etc. – mas também a Pátria Grande. Então, a expressão “América Latina” tem um significado muito forte, porque abriga o caráter anti-imperialista, antagoniza com a América anglo-saxônica. Mas ao lado do seu caráter emancipatório, Caicedo não estava livre de um certo eurocentrismo. A expressão ‘latina’ ignora todo o patrimônio civilizatório que aqui existe e que não é de origem latina, como os quéchuas, os aimarás, os tupiguarinis, os maias.

Qual o papel dos países latinoamericanos no mercado mundial?

A demanda de matérias-primas em países como a China faz com que o Brasil e outros países da América Latina passem por um processo de reprimarização da sua pauta de exportações. E as pessoas estão vendo isso como uma vantagem! Para os capitalistas com visão de curto prazo é bom, porque estão ganhando dinheiro. Na verdade, isso é uma nova fase de um processo que tem 500 anos. Sempre fomos exportadores de produtos primários ou manufaturas. Há um mito de que estamos vivendo um processo de modernização tecnológica, com o agronegócio e seus equipamentos modernos. É um mito porque o Brasil no século 16 já exportava manufaturados, como o açúcar. Nossa história é muito colonizada, contamos a história como os europeus nos contaram. Inclusive europeus que nos são caros, como Marx. Marx conta a história da revolução industrial a partir da Europa, mas as primeiras manufaturas, os engenhos de açúcar, estavam no Brasil, no Haiti, em Cuba. Nós já éramos modernos tecnologicamente, mas uma tecnologia colocada aqui não para nos servir, mas para nos explorar. A rigor, um trator e computador fazendo plantio direto hoje é o equivalente ao que fazíamos no século 16, com tecnologia de ponta. Que ideologia é essa da “modernidade” que achamos que veio para nos salvar? A modernidade sempre nos fez ser o que somos. A gente não consegue se desprender da ideologia eurocêntrica da modernidade e acabamos propondo como solução o que é parte do problema.

O que são os megaprojetos de infraestrutura colocados para o continente hoje?

Há muitos projetos de infraestrutura em curso. Na América Central, há um projeto de integração física, que é o Plano Puebla Panamá, hoje rebatizado como Plano Mesoamérica. E temos a Iirsa, Iniciativa de Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana, proposta numa reunião convocada pelo Fernando Henrique Cardoso no ano 2000. É um grande projeto de portos, aeroportos, estradas, uma rede de comunicação, que torna o espaço geográfico mais fluido e diminui o tempo socialmente necessário para a produção. Essas obras estão sendo feitas a partir de uma proposta das elites, feita pelo capital. No caso do Brasil, feitas com a presença muito incisiva do BNDES, que tem mais dinheiro que o Banco Mundial para investir. Esses investimentos já estão trazendo problemas, no Equador, na Bolívia, na Argentina.

O Brasil tem uma postura imperialista em relação aos outros países da América Latina?

A estratégia brasileira não é antagônica com a estratégia norte-americana. A burguesia brasileira sabe manejar muito bem o Estado quando lhe é conveniente. Sabe manejar o BNDES para os seus interesses, usar os recursos. As grandes empresas de engenharia civil do Brasil estão presentes em todos os países da América Latina. O complexo de poder envolvido no agrobusiness é um belíssimo exemplo: é um complexo de aliança política entre as burguesias brasileiras articuladíssimas com a burguesia internacional, que estão se beneficiando dessas estruturas. É uma burguesia associada ao imperialismo americano, mas que tem um projeto próprio ao mesmo tempo. A ideia de subimperialismo de Ruy Mauro Marini me parece correta. A diplomacia brasileira não usa o termo “América Latina”, diz “América do Sul”, quer dizer, está preocupada com a integração física para exportar. Estamos fazendo com nossos povos aquilo que sempre fizemos desde o período colonial.

Como esse projeto impacta as populações indígenas e camponesas?

Quem está se revelando os maiores antagonistas desse projeto são as populações indígenas, camponesas e afro-latino- americanas. Elas que estão sendo expulsas de suas terras. A Iirsa diz claramente que os projetos vão se expandir para áreas de vazios demográficos. A Amazônia não é vazia. Não é à toa que o imperialismo diz que os indígenas são os novos comunistas. São áreas cujas populações historicamente sempre viveram com a Pachamama. Os índios sequer têm um nome para a “natureza”, porque significaria pensar o homem como fora da natureza. A Pachamama não é a natureza, é a origem de tudo, de todas as energias, todos nós fazemos parte dela. Eles não são antropocêntricos, não vivem na matriz da racionalidade que vem da Europa, que hoje é parte da crise. Se há 50 anos as forças hegemônicas podiam passar um trator por cima dessas comunidades, hoje essas populações conseguem se mobilizar e encontram eco para suas denúncias. O próprio capitalismo não sabe o que fazer com essas áreas. Tem um setor novo do capitalismo que é o da biotecnologia, que depende de informação do geoplasma. Para esse capitalismo, a diversidade biológica é um valor, ele se confronta com o capitalismo predador que quer derrubar a mata para entrar com gado na Amazônia. Hoje, o capitalismo tem dentro de si um confronto sobre o que fazer com essas regiões. Nessa brecha de dúvida sobre o modelo que vai imperar, abriu-se um espaço para que as populações indígenas encontrassem uma possibilidade maior de falar. Antes havia um consenso, inclusive entre a esquerda, com raríssimas exceções, que achava que tinha que passar o trator. Era uma noção eurocêntrica de “moderno” e “atraso”. Os índios nunca foram atrasados, eles sempre viveram seu próprio tempo. Para nós é fundamental fazer a crítica não só ao capitalismo, mas à mentalidade colonial, à colonialidade do saber e do poder. A discussão dessas populações que estão sendo atingidas é fundamental. A própria ideia de uma Via Campesina só é possível na medida em que essas populações adquirem uma centralidade muito mais importante nos dias de hoje; o campesinato e aquilo que o Darcy Ribeiro chamava de indigenato, um campesinato etnicamente diferenciado. Estamos vivendo uma crise do capitalismo e ao mesmo tempo uma crise de padrão civilizatório. E, nesse sentido, até setores de esquerda, que embarcaram numa visão desenvolvimentista, não perceberam que na verdade existem múltiplas forças produtivas que se desenvolveram por populações outras. Já havia uma sofisticada metalurgia entre as populações originárias de nuestra América, uma sofi sticada agricultura, arquitetura, como Machu Pichu. Os indígenas, sabe-se lá como, conseguiram preservar muitas das coisas desse período, conseguiram manter sua identidade própria. Esses povos têm algo a nos ensinar. Temos que ter a humildade de ver como, depois de 500 anos, eles ainda resistem com essa força. Eles estão mais vivos do que nunca.



Carlos Walter Porto-Gonçalves é doutor em Geografia e professor do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense (UFF). Foi presidente da Associação dos Geógrafos Brasileiros (1998-2000). É Membro do Grupo de Assessores do Mestrado em Educação Ambiental da Universidade Autônoma da Cidade do México (Unam). Ganhador do Prêmio Chico Mendes em Ciência e Tecnologia em 2004 e do Prêmio Casa de las Américas (Ensaio Histórico-social) em 2008, é autor de diversos artigos e livros publicados em revistas científicas nacionais e internacionais.

Fonte: http://ponto.outraspalavras.net/

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Mem de Sá, João Ramalho, Domingo Jorge Velhos, os bandeirantes e inúmeros outros facínoras a serviço da colonização, do império; portanto, do Capitalismo.

Aldo Santos usa a tribuna para cobrar da presidenta Dilma o feriado Nacional do dia 20 de Novembro – Dia da Consciência Negra e repudia o gasto de 28 milhões com a reforma da Câmara Municipal de SBCampo.
Na noite do dia 04 de novembro de 2011, o teatro Cacilda Becker foi palco da celebração da Sessão da Consciência Negra em Sbcampo do campo.
O vereador José Ferreira abriu os trabalhos da sessão, agradecendo a presença de todos e destacou em sua fala o histórico da luta desenvolvida na cidade, que teve início com o vereador Aldo Santos, 1989 com a realização da primeira Sessão e Comemoração Oficial da cidade.
O vereador Ary de Oliveira, também fez uso da palavra e disse que essa sessão vem de longe, desde o tempo do ex-vereador Aldo Santos que deu o ponta-pé inicial nesse debate. “[...] me lembro do Aldo Santos realizando essa sessão com apenas oito pessoas, mais ele não desistiu”.
Para o Diretor-presidente da Fundação Criança, Ariel de Castro Alves, esse é um momento importante para a cidade. Destacou a presença do ex-vereador Aldo Santos na atividade, e, rememorou os grandes momentos de luta com ocupações ,prisões e, ironicamente perguntou se a medalha João Ramalho já foi extinta ou não?
Sr. Wilson da Ama fez um belo relato, falando da identidade do negro que vem sendo conquistada recentemente no Brasil e citou sua própria família. Lembrou de fatos de combate ao racismo, onde na ocasião ele entrou em contato com o vereador Aldo Santos e José ferreira, que prontamente o ajudou no referido caso. Segundo ele essa mentalidade de luta é muito importante.
O Ex-vereador Aldo Santos fez uso da palavra, agradeceu a homenagem, que recebeu, juntamente com outras pessoas e historicisou sobre o significado dessa data.
“Em 1989 quando entrei nesta casa, uma das minhas primeiras resoluções foi instituir na cidade A Semana da Consciência Negra, que foi comemorado na Câmara Municipal em 20 de novembro de 1989, com representação de vários segmentos da sociedade. Apresentei também o projeto da Capoeira nas Escolas, que infelizmente foi rejeitado pelos vereadores da época. Entendo inclusive que outro vereador deveria retomar esse projeto.
Apresentei o projeto pelo Feriado Municipal na Cidade, uma das primeiras Cidades a apresentar tal lei, que infelizmente foi boicotada pelos vereadores da época, bem como pela administração. Foram realizadas grandes atividades populares, sindicais e estudantis.
Além desses pontos, Aldo Santos ainda lutou pelas cotas na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, que ainda se mantém discreta e o silêncio perdura.”
Além desses fatos,nesse período, o Vereador foi agredido pelo renomado jornalista Célio Franco, que publicou um texto no jornal eletrônico Cliqueabc, desqualificando a sua luta, agredindo o movimento e ridicularizando o Projeto pelo feriado Municipal de 20 de novembro, bem como a figura de Zumbi dos Palmares.
O Ex-vereador de São Caetano do Sul, Dr. Horacio Neto, solidário ao até então vereador Aldo Santos, ajuizou uma ação de reparação por danos morais em face da agressão dispensada ao mesmo. Da sentença restou a condenação ao pagamento por danos morais, sendo ainda obrigado a publicar uma retratação no mesmo veículo eletrônico por cinco dias e com mesma quantidade de toques e linhas àquele que deu origem ao processo.
Além desses fatos históricos e merecedores de registro por todas as forças democráticas, Aldo Santos cobrou o Feriado Nacional que o presidente anterior não instituiu e que a presidenta Dilma assine urgentemente essa lei federal, para evitar que as elites e o comércio nas referidas Cidades onde existe o feriado municipal, distorçam a finalidade de nossa luta e comemorem em outras datas, que não o 20 de novembro.
Destacou ainda que enquanto os negros da periferia estão excluídos por falta de investimento do poder público, a Câmara de São Bernardo do Campo inicia uma reforma de 28 milhões em seu prédio, construindo um Castelinho, enquanto o povo pobre está abandonado a sua própria sorte. Enquanto filhos e filhas e guerreiros de Zumbi, não podemos concordar com essa reforma que é um escárnio para com os tributos pagos pelos moradores da cidade.
O presidente municipal do PT Salatiel fez o uso da palavra, reconheceu a contribuição histórica do ex-vereador e afirmou que também é favorável que a presidenta Dilma, de fato, institua o feriado Nacional.
Concomitantemente às atividades políticas, várias apresentações culturais, religiosas e de capoeira exaltaram a celebração de mais uma atividade marcante na cidade de São Bernardo do Campo.
Por fim, convém esclarecer que em relação à Medalha João Ramalho, acima mencionada, continuamos defendendo uma releitura da história e suas referências . É honroso homenagear um munícipe dando uma medalha cuja insígnia representa um personagem que historicamente é acusado de ser traficante de índios e que com o mesmo intento dos bandeirantes dizimaram, escravizaram e exploraram o nosso povo ao longo da historia do Brasil?
Dentre esses personagens destacam-se: Mem de Sá, João Ramalho, Domingo Jorge Velhos, os bandeirantes e inúmeros outros facínoras a serviço da colonização, do império; portanto, do Capitalismo.

Lutar contra o preconceito Racial é preciso!!!

Assessoria de comunicação do Psol de São Bernardo do Campo.

Os direitos humanos dos humanos sem direitos: refugiados e a política do protesto

Direitos Humanos

| Texto 10712 | Cliques: 35 | Postagem: Claudio Palácio

Os direitos humanos dos humanos sem direitos: refugiados e a política do protesto


O artigo discorre sobre a crise contemporânea do processo de institucionalização do discurso dos direitos humanos, vinculada à reprodução de (in)seguranças globais e aos limites da vinculação entre Estado, território e cidadania. Desenvolve o argumento de que a impossibilidade ou a incapacidade de realização dos direitos humanos no contexto de um mundo dividido em Estados territoriais assenta-se justamente na junção constitutiva que se estabelece entre a noção de cidadania e a noção de humanidade.

Carolina Moulin

Os dilemas daí derivados são elucidados a partir da análise dos recentes protestos de refugiados palestinos no Brasil e de suas principais críticas ao marco de proteção humanitário internacional. Nesse sentido, o artigo corrobora a ideia de que o regime internacional de direitos humanos atuaria, dentro dessa perspectiva crítica, reforçando a ordem política existente, e não subvertendo-a, como imaginam os entusiastas do discurso de direitos humanos como promotor de uma política de emancipação no plano global.

Amamos o Brasil, mas preferimos voltar para os campos de concentração.

Esse primeiro grito é um pedido de socorro ao Brasil; o segundo será um grito com pedido de justiça ao mundo.

Slogans de protesto nas manifestações dos refugiados palestinos em Brasília, 2008.

Walter Mignolo (2000) sugere que o discurso de direitos humanos, embora fundamentado na ideia de direitos subjetivos, universais e inclusivos, não representa, em si mesmo, uma política alternativa ao paradigma do mundo colonial moderno. Isto quer dizer que, apesar de ancorado em uma premissa normativa emancipatória, a emergência de um regime internacional de proteção à pessoa humana respondeu (e responde), prioritariamente, às demandas contextuais de rearticulação das relações de poder no plano internacional e de manutenção do núcleo duro do design (neo)liberal. Tal núcleo articula-se, sobretudo, na celebrada tríade Estado-nação-território, por meio da qual a realização dos direitos subjetivos depende das relações de pertencimento estabelecidas entre sujeitos e comunidades políticas exclusivas (e excludentes). Essa tese ecoa as preocupações já avançadas, por exemplo, por Hannah Arendt (2004 [1948]). Analisando as perplexidades e as violências causadas pela Segunda Guerra Mundial, Arendt problematiza a questão do sujeito dos direitos humanos para demonstrar a sua impossibilidade no mundo colonial moderno. A pergunta se volta, então, para a definição de quem são esses "seres humanos" para quem a efetivação e a implementação de direitos se faz possível e necessária.

Para ambos os autores, a (in)segurança supostamente solucionada pela prática humanitária acaba por perpetuar o problema da realização dos direitos humanos, haja vista que aqueles que mais deles necessitam são justamente os que menos poderão por eles ser assistidos. Em termos gerais, pode-se afirmar que o sujeito dos direitos humanos é, quase que por necessidade, o cidadão, excluindo dessa maneira um enorme contingente de pessoas e grupos para os quais a cidadania possui pouco ou nenhum significado. A proliferação dessas exterioridades (reproduzidas pela violência fundacional do moderno sistema de Estados) é evidenciada pelo crescimento do número de populações marginalizadas e excluídas do marco de proteção da cidadania. Podemos incluir nesse rol as mais diversas categorias de indivíduos e grupos sociais, que detêm, via de regra, uma relação conflitiva e ambígua com autoridades soberanas. Povos indígenas, expropriados e marginalizados pelos processos de colonização e destituição de suas culturas e territórios, processos esses centrais para a formação da ordem internacional e das estruturas de poder contemporâneas; refugiados, expulsos de suas terras, expurgados de suas comunidades e gerenciados como efeito colateral das práticas violentas de reconstituição das fronteiras identitárias e políticas; migrantes econômicos, em particular aqueles sem status, indocumentados, vivendo às margens das estruturas da divisão de trabalho global e cuja expropriação e subalteridade se fazem necessárias para a manutenção do sistema produtivo transnacionalizado; e, ainda, um grupo cada vez mais abrangente de cidadãos de segunda classe (ou subcidadãos), para os quais as promessas de inclusão nunca se efetivaram, seja por táticas de exclusão política, econômica e social, seja por estratégias de reclusão e contenção territorial1 (da favela, do campo, do sistema penitenciário, dos hospitais psiquiátricos).

Essa crise, nunca resolvida, da expansão dos humanos sem direitos para os direitos humanos é hoje também global (ou talvez sempre tenha sido). Boaventura de Souza Santos (2004) define a mundialização desse fenômeno como a "transnacionalização do Terceiro Mundo". Beck (2000) fala da "brazilianização da política mundial"; Wacquant (2008) analisa a redução da política internacional ao gerenciamento de uma política disciplinar penal, cujo objetivo central é controle, contenção e prevenção do risco eminente que referidos grupos podem trazer para a ordem e a estabilidade do sistema doméstico e internacional. De toda maneira, o que todas essas contribuições indicam são dois processos concomitantes dessa crise. O primeiro refere-se à sua expansão nas dimensões espaço-temporais, que indicam a globalização dos efeitos crescentes da interpenetração de povos, culturas e marginalidades para além das divisões tradicionais de um mundo bipolarizado (Ocidente/Oriente, Primeiro/Terceiro Mundos, Norte/Sul). Nesse sentido, países desenvolvidos se vêem constantemente achacados pela proliferação dos guetos, dos banlieues, dos bairros de imigrantes, da internalização das desigualdades que, no imaginário moderno colonial, deveriam ser contidas na racialização da diferença e na sua reterritorialização em espaços periféricos. Poderíamos falar, dessa maneira, de um processo crescente de interiorização das externalidades que, por sua vez, acaba fomentando um discurso securitário fundado em uma cultura do medo e em uma geografia do ódio (Appadurai, 2006).

O segundo processo refere-se às limitações da solução moderna para o problema dos direitos, na medida em que Estados-nação não mais se mostram capazes de garantir os termos do contrato social, ou seja, de prover para seus clientes (cidadãos) as garantias fundamentais nas quais se ancoram o poder e a legitimidade do governo da coisa pública. Em outras palavras, assistimos à proliferação de sociedades de (in)segurança, cada vez mais articuladas ao discurso dos direitos humanos e do direito humanitário como estratégias disciplinadoras (e não mais emancipatórias). E observamos, quase que atônitos, o sentimento de paralisia e descrença para com os rumos dos (des)governos políticos, aqui e acolá. Nesse contexto, indago que, talvez, as alternativas e as respostas aos problemas prementes da política de (in)segurança mundial, e em particular da dinâmica global da proteção aos direitos da pessoa humana, esteja justamente no olhar atento das estratégias desenvolvidas por esses grupos de supostos "humanos sem direitos".

Partha Chatterjee sugere que parte dessas estratégias reside nos processos de negociação que se estabelecem entre os grupos marginais da política democrática liberal e os núcleos institucionais sedimentados nas figuras dos grupos de interesse e do próprio Estado. Para ele, esses sujeitos, que detêm uma relação ambígua e incompleta com os discursos de (e dos) direitos, compõem em larga escala o espaço atual do desenrolar da política e, em suas articulações, redefinem o próprio conteúdo do político. A crítica se volta, portanto, para a linguagem e os instrumentos convencionais de análise política que parecem preocupar-se apenas com um grupo relativamente restrito e culturalmente equipado (Chatterjee, 2004, p. 39) de sujeitos dotados de direitos (humanos) e que têm acesso aos mecanismos de participação no processo decisório. Conceitos como sociedade civil buscam precisamente mapear essas interações e o impacto desses grupos de cidadãos sobre a distribuição dos recursos sociais. Não obstante, na medida em que proliferam as desigualdades e as (in)seguranças por elas trazidas, as limitações analíticas se fazem óbvias e denotam a necessidade de se repensar os mecanismos de negociação social, sobretudo junto a grupos que não se articulam dentro dos quadrantes de civilidade, transparência e representatividade tão caros (e centrais) ao processo democrático liberal (Moulin e Nyers, 2007).

Nesse contexto, emerge a sociedade política, composta por indivíduos e grupos de subcidadãos (ou de não cidadãos), que são cuidados e controlados por agências governamentais e, via de regra, convertidos em populações subjugadas às tecnologias de controle do poder soberano. Embora sua vinculação com as estruturas constitucionais seja tênue, a presença da sociedade política mostra-se bastante real no espaço territorial do Estado. Suas reivindicações e demandas enquadram-se dentro de uma abordagem governamental, não obstante sejam usualmente feitas em uma linguagem comunal e, sob a ótica das abordagens democráticas, por meio de estratégias não legítimas e muitas vezes irregulares. Ainda, suas associações e intervenções partem de um conjunto de lealdades que, no geral, remontam a conexões comunitárias, ao compartilhamento de um locus subordinado no espaço da cidade, a filiações identitárias, étnicas, familiares e religiosas. Seu modo de presença normalmente envolve uma flexibilidade dos termos do contrato social, a "distorção das regras de convívio" e o recurso a mecanismos de participação que seriam, em qualquer outro contexto, consideradas ilegais. A sociedade política procura, dessa maneira, abarcar essa esfera da política que converte grupos marginais (no duplo sentido da palavra, como aqueles que habitam as margens e que são percebidos como transgressores da ordem estabelecida) em dimensões importantes de exercício da função gerencial e interventora das agências governamentais. Contudo, percebe e considera salutar a influência desses mesmos grupos como elemento transformador e potencialmente inovador no que tange à reconceitualização de uma alteração radical da política contemporânea. O simples fato de que tanto as agências governamentais como grupos de interesse, ONGs e demais membros da sociedade civil têm que prestar atenção e negociar com a sociedade política indica que, longe de serem irrelevantes, essas marginalidades, muitas vezes convertidas em fontes de insegurança, são, elas próprias, essenciais para a reprodução das funções governamentais e para o estabelecimento dos próprios limites do discurso dos direitos. Em outras palavras, a presença da sociedade política revela que os direitos humanos dependem da existência de seres humanos sem direitos e que, na sua luta por inclusão ou por alternativas, eles reconfiguram o próprio conteúdo do discurso dos direitos. É dessa tensão produtiva que emergem talvez potenciais opções emancipatórias.

Não devemos contudo sobre-estimar essas mesmas potencialidades. A interrupção promovida pela sociedade política é tênue, ambígua e temporária. Repleta de paradoxos, a política dos governados está intrinsecamente ligada à política dos que governam e, muitas vezes, acaba por ela sendo subsumida. Se não altera as regras do jogo, a sociedade política mostra, ao menos, a emergência de novos atores, de grupos populacionais que, de forma autônoma, "conferem (a si próprios) os atributos de uma comunidade moral" (Chatterjee, 2004, p.57) e, nesse processo, redefinem as fronteiras do exercício político. Se, de um lado, muitas de suas reivindicações não proveem a solução para o problema dos direitos humanos, de outro, chamam atenção para o nó nevrálgico que explica a vinculação, quase umbilical, entre os humanos sem direitos como fonte das (in)seguranças políticas e sociais, isto é, para o ponto de inflexão que separa governados e cidadãos. Dentre os muitos possíveis grupos que poderiam ser elencados como exemplos das articulações da sociedade política global, o foco desse trabalho reside nas demonstrações de grupos de refugiados. Na seção que se segue, apresento os principais elementos definidores da figura do refugiado, aplicando-os ao contexto das manifestações e dos protestos avançados, entre 2008 e 2009, pela comunidade refugiada palestina no Brasil. A análise desse caso, importante na recente história da proteção humanitária no país, indica algumas das potencialidades e dificuldades envolvidas na formação da sociedade política global e, espero, a urgente necessidade de se repensar as fronteiras dos direitos humanos e os seus próprios termos.

Caridade, protestos e a luta pelo "direito a ter direitos"

A Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 define em seu artigo 1º (A, 2) que o refugiado é toda pessoa que

[...] devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, por pertencer a determinado grupo social e por suas opiniões políticas, se encontre fora do país de sua nacionalidade e não possa ou, por causa dos ditos temores, não queira recorrer a proteção de tal país; ou que, carecendo de nacionalidade e estando, em consequência de tais acontecimentos, fora do país onde tivera sua residência habitual, não possa ou, por causa dos ditos temores, não queira a ele regressar.

Assim sendo, o refugiado é aquela pessoa que se encontra fora do seu país de nacionalidade e/ou residência e, por medo de perseguição, não pode mais recorrer ao seu governo para obter proteção. Nesse sentido, trata-se de quem perdeu a proteção diplomática de seu país de origem e, como consequência da necessária resolução moderna que atrela o exercício dos direitos humanos ao Estado e ao cidadão (Arendt, 2004 [1948]), se torna, por essa razão, um sujeito sem direitos. É esta condição limiar do refugiado de ser um indivíduo entre soberanos (Haddad, 2008) que o torna figura emblemática das limitações do discurso humanitário.

O refugiado, pois, depende do reconhecimento de seu status (dos motivos fundados e subjetivos do temor que justificam a fuga) por parte de um outro Estado para readquirir, ainda que minimamente, qualquer possibilidade de acesso a direitos básicos. Embora supostamente protegido pelo guarda-chuva do direito humanitário e por agências governamentais internacionais (dentre as quais se destaca o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados - Acnur), a retomada de seus direitos básicos depende, prioritariamente, de sua reintegração territorial e, por consequência, jurídica ao espaço da política governamental. Essa reinclusão pode dar-se tanto pelo reconhecimento do status no país de acolhida como por sua reinserção, ainda que temporária, no espaço do campo. Pode, ainda, acontecer em um terceiro país, quando a integração no primeiro país de acolhida ou no campo se mostram insuficientes. Esse último movimento conforma a situação dos refugiados reassentados, tal como é o caso dos refugiados palestinos que chegaram ao final de 2007 no Brasil, provenientes do campo de Rweished na Jordânia.

Os aproximadamente cem refugiados palestinos chegaram ao país como parte do Programa de Reassentamento Solidário, estabelecido pelos países Latino-Americanos em novembro de 2004. O Programa faz parte de processo mais amplo de revisão do marco jurídico regional de proteção a refugiados, iniciado em 2004 e concluído com a Declaração e Plano de Ação do México, assinados pelos representantes nacionais ao final daquele mesmo ano. O programa de Reassentamento respondeu à necessidade de ampliar a coordenação regional no que tocava ao compartilhamento do apoio e da assistência a populações forçosamente deslocadas, com especial ênfase na situação de colombianos em países fronteiriços. Capitaneado pelo Representante do Acnur no Brasil e pelo próprio governo brasileiro, o plano acordado no México tentou retomar um papel mais ativo dos países da região para a resolução de crises humanitárias com foco especial na atenção a populações refugiadas. A aceitação dos reassentados palestinos entra, nesse contexto, na guinada diplomática brasileira ao assumir um papel de liderança regional sobre assuntos humanitários. Embora a política de reassentamento não seja nova (em 1998, reassentados afegãos chegaram ao país, mas o programa não foi bem-sucedido), não resta dúvida de que o processo recente surge a partir de uma ótica regional mais coerente e de uma articulação mais intensa entre governo, organizações da sociedade civil e organizações internacionais.

Os refugiados palestinos foram, assim, incluídos em um programa especial, desenhado pelo período de dois anos, nos quais organizações da sociedade civil, o Acnur e governos seriam responsáveis por prover os meios necessários para sua plena integração à cultura e à sociedade brasileiras. Distribuídos em municípios do interior de São Paulo e Rio Grande do Sul, os refugiados teriam direito a moradia, assistência médica e ajuda de subsistência mensal, além de acesso a programas de aprendizado da língua portuguesa e de integração cultural. Os refugiados palestinos, ao contrário da maioria da população refugiada espontânea no país, já detinham, contudo, uma longa e histórica relação com os mecanismos internacionais de proteção humanitária. Muitos deles, fugindo dos conflitos com Israel e, posteriormente, das duas grandes guerras no Iraque, habitaram os espaços de contenção de campos de refugiados por anos. Conhecedores das estruturas e das regras de proteção humanitária, chegaram ao Brasil com esperanças de mudança, não obstante cientes das difíceis e circunscritas regras do jogo dos direitos humanos internacionais para apátridas e refugiados. Essa trajetória é observada no relato de vida de um dos palestinos reassentados:

Estou refugiado desde 67. Fui refugiado aos 19 anos quando fugi da guerra entre Israel e Palestina indo para o Iraque. Depois fui para Arábia Saudita, Líbia e voltei para o Iraque onde vivi até a invasão dos Estados Unidos, quando tive que fugir e me tornar mais uma vez refugiado na fronteira com a Jordânia no campo Rweished [de refugiados]. Esse campo na fronteira da Jordânia era do exército. Não tinha casa não tinha nada. Só um pedaço de tecido, uma barraquinha que vivíamos dentro dela. Ficamos quatro anos e meio nesse campo [em 2007 ampliou-se a ofensiva contra os campos de refugiados palestinos, com pressões para que perdessem a condição de refugiados palestinos e ganhassem cidadania jordaniana]. (Entrevista, 2009).

É nesse contexto, e com essa bagagem, que os refugiados palestinos chegam para o reassentamento no país. E a história de esperança converte-se em alguns poucos meses numa batalha política conspícua entre eles e as diversas agências governamentais nacionais e internacionais responsáveis pela sua proteção. Em abril de 2008, três refugiados palestinos percorreram de ônibus os mais de mil quilômetros que separam Mogi das Cruzes e Brasília e iniciaram um protesto em frente ao escritório do Acnur na nobre região do Lago Sul na capital federal. Alojados em barracas de plástico e dormindo nas calçadas, os refugiados permaneceram no local por mais de um ano, esperando que suas demandas fossem atendidas. Nesse ínterim, outras famílias juntaram-se ao grupo, entre elas mulheres e crianças (Fernandes, 2009). Reclamavam da falta de assistência recebida da sociedade civil nas comunidades receptoras e da ausência de diálogo com as instituições, em especial com o Acnur. Decidiram assim intervir no processo, impondo sua presença cotidiana na rotina da agência e procurando atrair atenção da mídia e da opinião pública para uma realidade ainda bastante desconhecida da população em geral.

Dentre as diversas demandas avançadas pelo grupo, destacam-se a exigência de tratamento médico adequado e imediato para idosos e doentes, retomada do benefício mensal (suspenso após o início dos protestos), reunificação das famílias separadas no processo de alocação nos municípios do programa de Reassentamento, negociação dos termos da permanência findos os dois anos previstos para a implementação do programa e, principalmente, a discussão sobre o potencial reassentamento para países onde os refugiados possuíam famílias ou para campos montados pelo Acnur. Em suma, as demandas orientavam-se em dois eixos centrais, quais sejam, o da reformulação efetiva do programa de integração e o direito a voz não só sobre os termos dessa integração como também sobre o próprio direito à mobilidade internacional. O primeiro reflete uma longa e já conhecida narrativa das populações refugiadas no Brasil que acabam integradas apenas em outros espaços de exclusão socioeconômica, sobretudo nos grandes centros urbanos do país. Assim, a proteção humanitária concedida acaba tornando (quase) permanente uma situação de marginalidade jurídica, social e racial, comum a outros tantos quase-cidadãos nacionais. Por outro lado, os refugiados questionam a estrutura do marco normativo internacional de proteção à pessoa humana, em particular o do Direito Internacional dos Refugiados, que tende a vincular sua identidade, modos de existência e os próprios destinos de suas vidas individuais e familiares aos ditames das agências governamentais. E esses ditames normalmente restringem a figura do refugiado aos espaços da caridade social e/ou da criminalidade e da segurança (Soguk, 1999; Pratt, 2005; Moulin, 2011). Em qualquer um desses espaços, as populações refugiadas são convertidas em sítios de intervenção, seja do cuidado pastoral das diversas agências por eles responsáveis (Foucault et al., 2007), seja do aparato penal, judicial e disciplinar que visa conter as desordens e as fontes de insegurança à comunidade internacional e hospedeira.

[A situação se complicou] porque até agora nenhuma pessoa do governo se dispôs a ajudar a gente ou encaminhou nossa situação. Isto ocorre porque lei aqui no Brasil é para quem é rico, quem tem poder. Estamos aqui há um ano e sete meses e o governo não nos escuta, só escuta o Acnur. Pelo fato de sermos refugiados pobres o governo brasileiro não olha para nós. Estamos refugiados no Brasil e o governo não deveria deixar a situação chegar neste ponto, o que é algo muito feio para o governo brasileiro e para quem gosta deste país. Agradecemos aos brasileiros. Quem nos ajudou neste período foram nossos vizinhos brasileiros e os amigos que fizemos aqui. Parece que o programa [para refugiados] foi feito por eles. E não por quem ficou de nos acolher e cuidar. Já faz dois meses que não temos nenhum contato com a Acnur. Eles se mudaram [do local onde os refugiados ficaram acampados anteriormente] e só o governo brasileiro sabe onde eles estão. Mas o governo brasileiro não nos procura. O programa vence agora em setembro, vão ser pelo menos cinco meses abandonados. O que vai ser de nós? (Entrevista, 2009).

Os protestos refletem, dessa maneira, uma tentativa dos refugiados de retomar o controle sobre suas vidas e sobre sua mobilidade, em um contexto no qual eles se reconhecem como humanos sem direitos e que, por essa mesma razão, conferem ao grupo os "atributos de uma comunidade" (Chatterjee, 2004). A mobilidade, que confere ao indivíduo a liberdade mais fundamental de escolha, se alça, na experiência do refúgio, à categoria de direito humano mais básico e elementar. Contra a sedentariedade do Estado e da territorialidade soberanas, que presumem a realização dos direitos humanos por meio da cidadania à uma fixidez espacial, os refugiados reclamam pela retomada da autonomia do nomadismo, da condição de exílio como traço permanente e quase inescapável da existência humana, ou, pelo menos, da existência de grande parte da humanidade - em especial, e talvez paradoxalmente, da humanidade para a qual foi negada essa mesma condição, da humanidade impossível e reduzida à vida nua, como salienta Agamben (1998).

Se fizermos uma comparação com esse campo [de Rwesheid] e a situação que enfrentamos aqui no Brasil, nós vivemos muito melhor, com muito mais orgulho, nos sentíamos muito mais humanos lá no campo do que aqui. Porque aqui nós nos sentimos tratados pior do que se trata um animal. Para o animal existem leis, direitos, nós não temos nada. Aqui no Brasil, as Nações Unidas e o governo que nos trouxe nunca nos trataram como humanos, nem protegidos como prometeram. A única coisa que nós queríamos era o orgulho. Mas aqui eu nunca vou encontrar. O Acnur, as Nações Unidas, não nos trata como refugiados, aqui não tivemos nem direitos humanos, então não temos direitos de nada. Nós não aceitamos mais isso, essa situação. Por isso estamos pedindo nossa saída do Brasil. Não é porque não gostamos do Brasil, mas porque fomos maltratados pelas Nações Unidas, por essas ONGs que disseram que nos acolheriam, mas nunca o fizeram (Entrevista, 2009).

Como pensar que os refugiados prefirem viver no campo ao Brasil? Como explicar essa impossibilidade da humanidade mesmo dentro do guarda-chuva protetor do humanitarismo? Como justificar para a comunidade hospedeira essa própria impossibilidade? Com uma narrativa apologética que, ao mesmo tempo em que justifica o fracasso da integração e do discurso de proteção, politiza o direito de escolha sobre a mobilidade e reverte a lógica do cuidado, na qual as opções são dadas aos refugiados, em vez de serem por eles estabelecidas.

Eu peço desculpas por não ter me adaptado. Eu tinha o sonho de ficar no Brasil. Mas agora eu tenho dois desejos: quero voltar para a Palestina ou ir para o campo de refugiados onde eu estava. Torço para que o governo brasileiro nos escute. Esperamos que o governo nos escute e discuta com a gente o nosso problema e deixe realizar uma dessas duas opções. Estamos deprimidos e traumatizados pela tortura psicológica que sofremos (Entrevista, 2009).

Os protestos dos refugiados palestinos, e as narrativas e demandas relativas ao reassentamento e ao aparato de proteção, fornecem um exemplo claro de como a sociedade política opera. Grupos que detêm uma relação tênue com noções de cidadania e que habitam espaços transnacionais de exclusão jurídica e socioeconômica se posicionam no debate político acerca dos limites e potenciais dos direitos humanos, a fim de pressionar agências e instituições domésticas e internacionais responsáveis por sua proteção. Nesse processo, precisam articular suas posições por meio da construção de um senso de comunidade moral, que lhes é conferido pela própria impossibilidade de habitar uma condição de inter, do entre Estados, que é sempre reapropriado sob a ótica do gerenciamento e do disciplinamento desses indivíduos como fontes potenciais de ruptura da fixidez e da ordem internacional dela derivada. Precisam valer-se de estratégias de interrupção, de intervenção radical que se dá pela sua simples presença em espaços não autorizados; pela sua simples demanda como interlocutores de um debate que afeta suas vidas, mas para o qual não são convidados. E, nesse processo, esperam que o seu direito à voz seja garantido, torcem para que sejam escutados.

Cumpre ressaltar, contudo, que a sociedade política funciona, nesse sentido, não só como arena de discussão (ou de alargamento do campo das disputas políticas), mas também como processo de subjetificação ao conferir a esses grupos os atributos necessários que permitem o seu posicionamento como participantes do debate sobre a proteção internacional a refugiados. Permitem ainda a formação de redes de solidariedade, articuladas justamente pela ampliação do seu espaço de atuação. Na medida em que o processo se prolonga no tempo e no espaço novos grupos vão aderindo à causa dos refugiados palestinos. Contam hoje com o apoio de vizinhos (muitos dos quais forneceram comida e apoio material aos protestantes), com a ajuda de associações, com advogado e com a mobilização de outros setores da sociedade (entre eles estudantes universitários e, inclusive, alguns membros do Parlamento). De fato, durante o protesto, os refugiados conseguiram organizar uma reunião com a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, ocasião na qual encontraram uma importante porta de entrada para suas demandas nas agências governamentais. Em agosto de 2009, moveram o protesto para o gramado do Itamaraty, na tentativa de mobilizar também a diplomacia brasileira, em especial os diplomatas vinculados ao setor de Organizações Internacionais, para a sua causa. Essa estratégia, embora não tenha aberto as portas dos altos escalões diplomáticos, garantiu uma promessa de encontro entre os refugiados e os membros do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), principal órgão vinculado ao Ministério da Justiça responsável pela população refugiada no país.

Além disso, nota-se um processo crescente de globalização da sociedade política, já que começam a articular-se transnacionalmente com outros grupos de refugiados palestinos e a ter como alvo uma audiência que é cada vez mais global. A imprensa internacional começa a veicular notícias sobre o caso e, com isso, eleva o perfil político da manifestação. Se global em seu escopo, o protesto é também global em seus objetivos, pois visa sobretudo à crítica da estrutura de proteção internacional, focando suas demandas sobre a agência por eles responsável (Acnur) e exigindo uma solução que é também por natureza internacional, qual seja, a de sua mobilidade para além das fronteiras estabelecidas entre o território brasileiro e o campo de onde provêm. Essa é a estratégia indicada em cobertura feita sobre o protesto em frente ao Itamaraty em maio de 2009:

[...] numa estratégia traçada pelos principais dirigentes do Comitê de Apoio aos Refugiados, preferiram fazê-lo usando o elemento surpresa para evitar confronto com as autoridades e principalmente a policia, tendo a imprensa chegado somente após algumas horas, principalmente um grupo de correspondentes estrangeiros que cobria, já à noite, um jantar para diversas autoridades estrangeiras no Itamaraty, onde os refugiados esperavam encontrar o presidente Lula e ter a oportunidade de pedir-lhe ajuda. Durante todo o período grupos de estudantes de várias universidades do DF apareceram para manifestar solidariedade aos refugiados e saber de suas reivindicações. [...] Estudantes do curso de Cinema de uma das principais Faculdades do DF filmaram e entrevistaram alguns dos refugiados e ao advogado Acilino Ribeiro para um documentário que irá concorrer em vários festivais no mundo inteiro, e assim chamar a atenção do mundo sobre a questão dos refugiados, enquanto outros estudantes, desta vez do curso de Fotografia e em número bem maior, em trabalho para o curso fotografaram o momento da instalação do acampamento e tiveram suas fotos enviadas para todas as agências internacionais de notícias e as principais rede de TV do mundo , como a Al Jazira, que as divulgou ontem mesmo. Em entrevista à imprensa alemã, um jornal de Berlim e a um canal de TV que cobre grande parte da Europa, o advogado Acilino Ribeiro informou que a principal reivindicação dos refugiados agora é irem para outro país, pois foram maltratados e abandonados pelo Acnur (Interprensa, 2009).

Esse processo de emergência de uma sociedade política global faz com que seja cada vez mais difícil para as agências governamentais, domésticas e internacionais,esquivar-se do diálogo e de um posicionamento sobre os problemas da política de proteção. Isso não quer dizer, contudo, que os protestantes tenham alterado ou sequer alcançado quaisquer de suas reivindicações. Ao contrário, a impossibilidade de continuação do acampamento, em função de medidas restritivas emitidas por autoridades locais, pôs fim à mobilização. Em face às pressões e aos choques de "lei e ordem", muitos dos protestantes retornaram às suas cidades de reassentamento. O encerramento do protesto, e as muitas vezes trágicas consequências para seus participantes, atesta para a resiliência das dificuldades em transformar as regras do discurso de proteção. O medo irrefutável do uso iminente da força e do aparato coercitivo da violência (como medo das tropas de choque e do cerco policial aos protestos) também restringem sobremaneira as possibilidades estratégicas do grupo. Não eximem também os próprios refugiados da sua incapacidade em traduzir seus traumas e experiências para um contexto no qual a realidade da proteção é de difícil acesso para grande parte da população hospedeira. Entretanto, nenhum desses aspectos (ou deficiências) tornam menos relevante o que suas narrativas podem significar para a reformulação da política de proteção humanitária, sobretudo no contexto regional. Enquanto os círculos diplomáticos aplaudem a liderança humanitária brasileira e a sociedade civil e governos celebram os dez anos da Lei 9474 (Estatuto dos Refugiados), os protestos indicam que, em sociedades periféricas, a letra dos direitos humanos ainda vive como fronteira da utopia, mas agora de uma utopia que tem cara, cor e tom definidos. Nas palavras dos próprios refugiados, ainda nos meses iniciais do acampamento:

Por que é que sempre que alguém, nas posições de alto escalão dos governos, diz alguma coisa, aquilo é considerado verdade? Por que eles não nos perguntam diretamente? Se alguém não sabe o que queremos, é muito simples: venham até nós e perguntem. Durante esses quatro meses que estivemos em Brasília, qualquer um já sabe onde nos encontrar (Blog Refugiados com Dignidade, ago. 2008).

Conclusões

Em uma apresentação recente de trabalho sobre a mobilização política de comunidades deslocadas na Amazônia Oriental, para uma plateia de estudioso da área de relações internacionais, foi-me questionado o porquê da necessidade de se estudar a "voz" desses grupos marginalizados. A pergunta era justificada pelo fato de que referidos grupos nunca tiveram (e portanto não devem ter no futuro próximo) qualquer impacto sobre a formulação de políticas públicas e sobre os rumos da política de poder global. O protesto dos refugiados palestinos no Brasil indica que a proliferação espaço-temporal de uma humanidade sem direitos é, de um lado, resultante das estruturas de poder global e da impossível resolução dos direitos humanos dentro do marco da tríade território-Estado-cidadão. Mas, de outro, também demonstra como essa mesma humanidade tem se convertido em espaço crescente de intervenção política e, mais do que isso, da transnacionalização das funções pastorais das estruturas de governança global. Se os refugiados ainda não tiveram sucesso em alterar essa complexa dinâmica das relações de poder global, acredito, contudo, que a emergência de sua mobilização política global apresenta importantes questionamentos sobre as premissas nas quais se edificam as regras de acesso à mobilidade humana em um mundo interdependente. No mínimo, a emergência de uma sociedade política global, evidenciada pela contra-cultura do protesto de diversos grupos de não e quase-cidadãos nos mais diversos rincões do planeta, torna saliente as indagações sobre os efeitos e as violências engendradas por uma política global de gerenciamento desses sujeitos móveis, com lealdades múltiplas, interpretados e disciplinados como efeitos colaterais e desestabilizadores do sistema internacional. Em outras palavras, os protestos indicam as limitações e as potencialidades abertas pela problematização do direito a ter direitos no plano internacional, sobretudo em contextos nos quais o modelo de gerenciamento (voltado para um marco histórico no qual a mobilidade se articulava nos eixos preexistentes das relações de poder entre Estados, ou seja, no âmbito das relações entre o mundo desenvolvido e o mundo em desenvolvimento) parece pouco apropriado para a circulação cada vez mais intensa entre sociedades periféricas.

As consequências dessas mudanças afetam não só as instituições globais de regulação e assistência humanitária, governos nacionais e sociedade civil global, mas também os próprios grupos de refugiados, na medida em que trazem consigo expectativas, muitas vezes frustradas, de acesso a uma proteção jurídica nos moldes das democracias avançadas. A esperança de encontrar no refúgio um espaço de oportunidade, acaba se convertendo em um encontro no qual o medo da morte violenta (princípio estruturante dos modelos convencionais das relações internacionais) é meramente subsumido na luta cotidiana, normalmente travada no espaço da informalidade socioeconômica das marginalidades periféricas, pela sobrevivência identitária e social. Expectativas frustradas pela desmistificação do encontro humanitário, que romantiza a proteção fornecida pelo Estado e e seus representantes, e pelo aumento das barreiras à mobilidade entre Norte e Sul. Assim, esses grupos acabam tendo como último recurso o refúgio nesses "terceiros-mundos transnacionais" (Santos, 2004). Longe de desatar o nó entre (in)seguranças e direitos humanos, a sociedade política global reclama para si essa função e, nesse processo, questiona a capacidade das agências governamentais domésticas e internacionais em lidar com suas demandas num espaço que é, sempre e por necessidade, político. Isso não quer dizer que a sociedade política global, incipiente na sua mobilização, muitas vezes ineficaz em sua implementação, produz as respostas necessárias e viáveis às difíceis perguntas do debate humanitário. Entretanto, demonstra a existência de uma outra política dos direitos, ou como sugere Chatterjee (2005), o retorno a uma política pura, na qual violência, ética e política se encontram na negociação dos termos de uma hospitalidade para com o outro. A realização dos direitos humanos depende assim de se repensar seriamente o que os humanos sem direitos têm a dizer e como o fazem. Talvez na junção dessas múltiplas inseguranças resida o potencial da factibilidade do discurso de direitos ou de uma percepção dos direitos humanos como estratégia de inclusão do estrangeiro, como igual e diferente (Todorov, 1998).

Fonte: Revista Brasileira de Ciências Sociais

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

A filosofia por trás do movimento 'Ocupar Wall Street'

A filosofia por trás do movimento 'Ocupar Wall Street'

Os que clamam por austeridade são agentes financistas, para os quais é pecado ver diminuir a própria riqueza; os que pedem estímulos são eticamente corretos, mas não fazem um ataque direto aos financistas. A única solução real para a crise é, como receitou Keynes, “a eutanásia do rentista”. É esse impulso para desafiar diretamente Wall Street que mostra o quanto é razoável e necessário o movimento Ocupar Wall Street.

Vijay Prashad


“É possível que os especuladores não façam tanto mal quanto as bolhas.


Mas a posição é séria quando a empresa vira uma bolha, no redemoinho da especulação. Quando o desenvolvimento das atividades de um país vira subproduto das atividades de um cassino, o trabalho provavelmente será mal-feito”. (John Maynard Keynes, 1936)

As análises do Relatório sobre Estabilidade Financeira Global do Fundo Monetário Internacional (REFG-FMI) são sempre muito sóbrias. O Relatório distribuído dia 21/9 passado avisa que a economia mundial está entrando em “uma zona de perigo”. O FMI rebaixa o crescimento estimado global, de patamar já baixo de 4,3%, para 4%, com o crescimento dos EUA cortado, de 2,7% para 1,8%. “Pela primeira vez desde outubro de 2008, no REFG-FMI, aumentaram os riscos para a estabilidade financeira global, o que assinala reversão parcial no progresso alcançado nos três anos anteriores.” [1] Em outras palavras, todas as medidas tomadas para estancar a hemorragia provocada pela crise do crédito global de 2008 em diante já deram o que podiam dar. E estamos de volta ao dia em que se fecharam as cortinas do Lehman (Brothers).

O FMI não podia ignorar a continuada crise política e econômica que sacode sem parar a eurozona, nem fingir que o crédito dos EUA não foi rebaixado. Nem, de fato, poderia fazer-se de cego para a turbulência dos mercados financeiros (...). Três processos obrigaram o FMI a ser mais atento: primeiro, os EUA terem-se mostrado incapazes de dar conta do trauma agudo no mercado imobiliário de moradias; segundo, os bancos europeus, que estão em curva de retroalimentação adversa entre as obrigações a pagar no “Club Med” (de Portugal à Grécia) e as próprias reservas; e, terceiro, as baixas taxas de juros que espantaram a finança privada, da luz do dia, para os calabouços sombrios e furtivos do sistema bancário (fundos hedge e tal).

Ambos, Olivier Blanchard, economista-chefe do FMI, e José Viñals, conselheiro financeiro do Departamento de Mercados Financeiros e Monetários do FMI, pareciam mais nervosos que o usual. Viñals sabe dos riscos na eurozona. Foi vice-presidente do Banco da Espanha, cujas reservas financeiras estão em estado tão lamentável quanto as reservas de água da Cidade da Sujeira do filme Rango (2011)[2].

O mantra do mundo atlântico tem sido “austeridade”. Assume-se que, se os orçamentos dos governos forem purgados dos gastos de interesse social para preservar o equilíbrio, daí advirá o crescimento. Estranha economia. Problema crônico é a falta de demanda efetiva (“confiança do consumidor”), que é indexada, nos EUA a salários rebaixados com transfusões eventuais de “confiança” produzida por crédito barato que criou, como bolha que ainda não explodiu, o endividamento pessoal; em maio de 2011, chegava a $2,4 trilhões. Os cortes massivos no gasto do governo só farão encolher a demanda ainda mais, e não produzirão qualquer esperança de crescimento no curto prazo. Programas de austeridade nem sempre fazem aumentar a confiança dos consumidores, mas sempre fazem aumentar a confiança entre os financistas que amam a ideia de “finanças sólidas”.

O FMI identifica o problema com uma mão e, em seguida, enfia a outra mão no moedor de carne: a atual crise não pode ser resolvida, até que se administrem as dificuldades políticas. Os “líderes políticos nessas economias avançadas ainda não conseguiram mobilizar suficiente apoio político para implantar políticas suficientemente fortes de estabilização macrofinanceira.” As ferramentas financeiras e monetárias estão pressionadas. Faz falta estratégia de comunicação mais efetiva, para convencer o público a alinhar-se a favor de medidas de austeridade para dar solidez à finança; para isso, é preciso fazer baixar a retórica ideológica que afasta as pessoas do que o FMI entende que seja uma Razão apolítica. Mas a massa ignara não conhece a razão.

O que nem o FMI nem os governos do mundo Atlântico conseguem perceber, por razões políticas, é o poder de classe do capital financeiro, que controla os mercados monetários aos quais os governos e o FMI têm de recorrer para tomar empréstimos, se querem estimular gastos ou emprestar a países em dificuldades. A confiança dos financistas é emoção muito mais importante que a confiança dos consumidores.

Em tempo de crise, a abordagem humana deveria ser ampliar os estímulos ao consumo até o momento em que milhões de pessoas consigam sair da condição de vida nua. Para fazê-lo, os governos devem desejar, nas palavras do economista Prabhat Patnaik, “exercer adequado controle sobre o sistema financeiro para garantir que os empréstimos às pessoas sejam sempre financiados, de modo a que o Estado não se torne prisioneiro dos caprichos dos financistas.”

O debate entre austeridade e estímulos é conduzido como se se travasse entre dois conjuntos racionais de pessoas. Os que clamam por austeridade são agentes dos grupos financistas, para os quais é pecado ver diminuir a própria riqueza; os que clamam por estímulos são eticamente corretos, mas não movem ataque de classe direto aos financistas, deixando-se navegar em ilusões. A única solução real para a crise do Atlântico Norte é, como receitou John Maynard Keynes, fazer “a eutanásia do rentista”.

É esse impulso para desafiar diretamente Wall Street que mostra o quanto é razoável e necessário o movimento “Occupy Wall Street” , protesto que agita lower Manhattan (bem perto de onde George Washington foi empossado presidente).

Os cidadãos que decidiram acampar permanentemente e não deixar suas tendas, e que estão sendo brutalmente atacados e agredidos pela Polícia de NY, encontraram instintivamente solução muito melhor para o país, que (1) os que insistem em exigir “mais austeridade” (como os Republicanos mais conservadores – e, no Brasil, todos os jornais e jornalistas e especialistas de todos os canais de televisão, sem faltar um); e (2) muito melhor, também que os que clamam por “estímulos” sem jamais desafiar os mandarins das finanças, os quais mais facilmente mandarão a economia dos EUA p’rô brejo, do que admitirão perder o poder que têm sobre o sistema econômico mundial (Obama, dentre outros).

Sem luta contra o capital financeiro, ordenar “austeridade” é ato de crueldade; e ordenar estímulos é ilusão.

O FMI e os políticos norte-americanos não querem desafiar a classe financeira. De fato, o FMI até alerta contra qualquer “repressão financeira” (“Com os estados sob estresse financeiro e as economias lutando para se desalavancar, os políticos podem ser tentados a suprimir ou tentar escapar aos processos e informações do mercado financeiro.”) Deve-se evitar tudo isso, diz o FMI. Querem que a salvação lhes venha de países do Sul Global, os quais, diz o FMI, “estão em fase mais avançada do ciclo de crédito”. O FMI adoraria que China e Índia entregassem seus superávits ao Norte, como estímulo... Seria via excelente para que aqueles países passassem a exportar menos e a importar mais.

O mais estranho nisso tudo é que o FMI também agia como espada do capital internacional quando advogou que Índia e China se tornassem economias orientadas para exportar e dessem as costas às políticas nacional-desenvolvimentistas. Agora, a China está pronta para exportar bens de baixo custo para as economias atlânticas... E então, em vez de recomendar que China e Índia usem seus superávits como estímulos para criar demanda em seus próprios países (para arrancar suas populações mais rapidamente da miséria, investindo em infraestrutura, criando meios para prevenir catástrofes ecológicas)... O FMI prescreve que China e Índia resolvam “os desequilíbrios financeiros” mandando seus superávits para o Norte! Por que o FMI não recomendou que o Norte tomasse essas medidas, nos anos 1980s e 1990s, quando as flechas financeiras estavam miradas na direção do Sul?

Os chineses dizem agora que podem ajudar a resgatar a eurozona, se a Europa atender a algumas “condições” que os chineses imporão (na linguagem do FMI, na era dos “ajustes estruturais”, essas condições chamavam-se “condicionalidades”, como cortar todos os investimentos de caráter humano e social, nos anos 1980s, como precondição para receber empréstimos).

Os chineses querem que os europeus acabem com processos por desobediência a leis de mercado – que é outro modo de dizer que os chineses querem morder fundo na carne do regime de propriedade intelectual – um dos últimos mecanismos ainda restantes que garantem o crescimento sem empregos que ainda mantém os EUA à tona. Mas por que, agora, a China não estaria fazendo certo? Diz o FMI que a China, agora, não está fazendo certo, por causa de seu “boom de empréstimos induzidos pela política”, também chamado de “plano de estímulos de 2009-10” – e que foi construído e aplicado sem qualquer influência dominante do capital financeiro.

É muito mais fácil mostrar os chineses como agentes do mal, do que apontar o dedo aos financistas. Toda a conversa sobre revalorização da moeda e barreira ao livre comércio não passa de conversa fiada, de quem não tem argumento a oferecer.

Lá, em Wall Street, Manhattan, norte-americanos comuns decidiram enfrentar, de vez, o capital financeiro. Não precisam recorrer à xenofobia ‘econômica’, nem se escravizar a ilusões de que os Buffets do mundo seriam a vanguarda da luta por justiça social. Querem é tirar, do pescoço dos povos do mundo, a botina-tacão das finanças.



Fonte: http://www.cartamaior.com.br

domingo, 18 de setembro de 2011

Eric Hobsbawn: Grundrisse são “o pensamento de Marx no seu apogeu”

No seu artigo “Descobrindo os Grundrisse” – escrito como introdução à primeira edição em inglês da obra de Marx, publicada em 1964 – Hobsbawn relata como o lugar desse texto fundamental na obra do Marx e seu destino são peculiares. Em primeiro lugar, porque “são o único exemplo de um importante conjunto de escritos maduros de Marx, que, para efeitos práticos, foram totalmente desconhecidos para os marxistas durante mais de meio século depois da morte de Karl Marx, e, de fato, quase impossíveis de encontrar até quase um século depois da composição dos manuscritos que levaram esse nome”.

Emir Sader

Em segundo lugar, a publicação dos Grundrisse no que poderia ser considerada “a menos favorável das condições”, isto é, na URSS e na República Democrática Alemã em plena “era de Stalin”. A terceira peculiaridade é a “persistente incerteza sobre o status dos manuscritos de 1857-1858 refletida no nome flutuante” dos textos até o momento em que se adotou o título de Grundrisse.

A data da sua verdadeira publicação – final de 1939 – significa que permaneceram quase totalmente ignorados no Ocidente até sua reedição em 1953, em Berlim Oriental.

A descoberta interacional quase simultânea das obras de Gramsci, junto com a dos Grundrisse tiveram como função “libertar o marxismo da camisa de força da ortodoxia soviética”, segundo Hobsbawn. Assim, “não é fácil separar os debates sobre os Grundrisse do cenário político em que se produziram e que os estimulou”.

Como avaliação global sobre o conjunto da obra, Hobsbawn é categórico: “Trata-se de um texto enormemente difícil em todos e em cada um dos seus aspectos, mas enormemente gratificante, ainda que fosse só pelo fato de que proporciona o único guia a todos os tratados de que O Capital é apenas uma fração e uma introdução única à metodologia do Marx mais maduro”. Contém análises e esclarecimentos, entre outros temas, sobre tecnologia, que levam ao tratamento de Marx muito além do século XIX, à era de uma sociedade em que a produção já nao requer trabalho de massas, de automação, de potencial de ócio e transformações da alienação nessas circunstâncias.

Para concluir, enfaticamente: “É o único texto que supera as próprias predições de Marx do futuro comunista na Ideologia Alemã. Em poucas palavras, foi qualificado acertadamente como ‘o pensamento de Marx no seu apogeu’”.

***

Emir Sader nasceu em São Paulo, em 1943. Formado em Filosofia pela Universidade de São Paulo, é cientista político e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). É secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) e coordenador-geral do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Coordena a coleção Pauliceia, publicada pela Boitempo, e organizou ao lado de Ivana Jinkings, Carlos Eduardo Martins e Rodrigo Nobile a Latinoamericana – enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe (São Paulo, Boitempo, 2006), vencedora do 49º Prêmio Jabuti, na categoria Livro de não-ficção do ano.