domingo, 7 de agosto de 2011

Neoliberalismo e educação: manual do usuário


Neste trabalho pretendo abordar criticamente algumas dimensões da configuração do discurso neoliberal no campo educacional.

Pablo Gentili

Começarei destacando a importância teórica e política de se compreender o neoliberalismo como um complexo processo de construção hegemônica. Isto é, como uma estratégia de poder que se implementa sentidos articulados: por um lado, através de um conjunto razoavelmente regular de reformas concretas no plano econômico, político, jurídico, educacional, etc. e, por ou através de uma série de estratégias culturais orientadas a impor novos diagnósticos acerca da crise e construir novos significados sociais a partir dos quais legitimar as reformas neoliberais como sendo as únicas que podem (e devem) ser aplicadas no atual contexto histórico de nossas sociedades Tentarei mostrar de que forma esta dimensão cultural, característica de toda lógica hegemônica, foi sempre reconhecida como um importante espaço de construção política por aqueles intelectuais conservadores que, em meados deste século, começaram a traçar as bases teóricas e conceituada do neoliberalismo enquanto alternativa de poder. Em segundo lugar, tentarei apresentar algumas considerações gerais sobre como se constrói a retórica neoliberal no campo educacional. Pretendo identificar as dimensões que unificam os discursos neoliberais para além das particularidades locais que caracterizam os diferentes contextos regionais onde tal retórica é aplicada. Meu objetivo será questionar a forma neoliberal de pensar e projetar a política educacional. Finalizo destacando algumas das mais evidentes conseqüências da pedagogia da exclusão promovida pelos regimes neoliberais em nossas sociedades.'
1.O neoliberalismo como construção hegemônica
Explicar o êxito do neoliberalismo (é também, é claro, traçar estratégias para sua necessária derrota) é uma tarefa cuja complexidade deriva da própria natureza hegemônica desse projeto. Com efeito, o neoliberalismo expressa a dupla dinâmica que caracteriza todo processo de construção de hegemonia. Por um lado, trata-se de uma alternativa de poder extremamente vigorosa constituída por uma série de estratégias políticas, econômicas e jurídicas orientadas para encontrar uma saída dominante para a crise capitalista que se inicia ao final dos anos 60 e que se manifesta claramente já nos anos 70. Por outro lado, ela expressa e sintetiza um ambicioso projeto de reforma ideológica de nossas sociedades a construção e a difusão de um novo senso comum que fornece coerência, sentido e uma pretensa legitimidade às propostas de reforma impulsionadas pelo bloco dominante. Se o neoliberalismo se transformou num verdadeiro projeto hegemônico, isto se deve ao fato de ter conseguido impor uma intensa dinâmica de mudança material e, ao mesmo tempo, uma não menos intensa dinâmica de reconstrução discursivo-ideológica da sociedade, processo derivado da enorme força persuasiva que tiveram e estão tendo os discursos, os diagnósticos e as estratégias argumentativas, a retórica, elaborada e difundida por seus principais expoentes intelectuais (num sentido gramsciano, por seus intelectuais orgânicos). O neoliberalismo deve ser compreendido na dialética existente entre tais esferas, as quais se articulam adquirindo mútua coerência.
Com frequência costumamos enfatizar a capacidade (ou a incapacidade) que o neoliberalismo possui para impor com êxito seus programas de ajuste, esquecendo a conexão existente entre tais programas e a construção desse novo senso comum a partir do qual as maiorias começam aceitar , a defender como próprias) as receitas elaboradas pelas tecnocracias neoliberais. O êxito cultural mediante a imposição de um novo discurso que explica a crise e oferece um marco geral de respostas e estratégias para sair dela - se expressa na capacidade que os neoliberais tiveram de impor suas verdades como aquelas que devem ser defendidas por qualquer pessoa medianamente sensata e responsável. Os governos neoliberais não só transformam materialmente a realidade econômica, política, jurídica e social, também conseguem que esta transformação seja aceita como a única saída possível (ainda que, às vezes, dolorosa) para a crise.
Desde muito cedo, os intelectuais neoliberais reconheceram que a construção desse novo senso comum (ou, em certo sentido, desse novo imaginário social) era um dos desafios prioritários para garantir o êxito na construção de uma ordem social regulada pelos princípios do livre-mercado e sem a interferência sempre perniciosa da intervenção estatal. Não se tratava só de elaborar receitas academicamente coerentes e rigorosas, mas, acima de tudo, de conseguir que tais fórmulas fossem aceitas, reconhecidas e válidas pela sociedade como a solução natural para antigos problemas estruturais.
As obras de Friedrich A. Hayek e Milton Friedman, dois dos mais respeitados representantes da intelligentsia neoliberal, expressa com eloqüência, e por diferentes motivos, esta preocupação. Seus textos de intervenção política nos permitem observar a sagacidade desses intelectuais em reconhecer a importância política de acompanhar toda reforma econômica com uma necessária" mudança nas mentalidades, na cultura dos povos.
Em seu prefácio de 1976 a The Road to Serfdom [O caminho da servidão), Hayek lamentava que as idéias defendidas naquele texto fundacional, editado originariamente em 1944, continuassem, trinta anos depois, mantendo plena vigência, embora a prédica "intervencionista e coletivista' da social-democracia gozasse de boa saúde e relativa popularidade entre as maiorias. Passadas mais de três décadas, a sociedade ainda não tinha aceito plenamente o que para Hayek era uma evidência ineludível: toda forma de intervenção estatal constitui um sério risco para a liberdade individual e o caminho mais seguro para a imposição de regimes totalitários corno o da Alemanha nazista e o da União Soviética comunista. Trinta anos depois, o desafio de O caminho da servidão continuava aberto: só quando a sociedade reconhece o verdadeiro desafio da liberdade é possível evitar as armadilhas do coletivismo. Hayek não deixava margem a dúvidas sobre as conseqüências que derivavam de uma cultura mais disposta a reconhecer a necessidade da intervenção estatal que os méritos do livre-mercado. Se o homem comum não afirma na sua vida cotidiana o valor da competição, se a sociedade não aceita as enormes possibilidades modernizadoras que o mercado oferece quando passa a atuar sem a prejudicial interferência do Estado, as conseqüências - defendia o intelectual austríaco - são nefastas para a própria democracia: os piores serão os primeiros, o totalitarismo aumentará e a planificação centralizada tomará conta da vida das pessoas, impedindo-lhes de expressar seus desejos individuais, sua vocação de melhora contínua, sua liberdade de escolher. Hitler, Stalin e Mussolini não expressavam um ocasional desvio totalitário na história dos povos europeus, eram o espelho onde deveriam mirar-se aqueles líderes políticos que ainda confiavam na suposta eficácia da planificação estatal centralizada.
Poucos anos depois, Milton Friedman enfrentava um panorama menos desolador. Seu livro Free to Choose [Liberdade de Escolher], publicado no início dos anos oitenta, tinha vendido rapidamente, nos Estados Unidos, mais de 400.000 exemplares em sua edição de luxo e várias centenas de milhares em sua edição popular. O principal expoente da Escola de Chicago se perguntava sobre as razões do incrível êxito este volume, sobretudo se comparado à "tímida" recepção que havia tido Capitalism and Freedom [Capitalismo e Liberdade], seu antecedente mais direto, embora publicado vinte anos antes. Por que Liberdade de Escolher tinha vendido em apenas poucas semanas o que Capitalismo e Liberdade vendeu durante vinte longos anos? Como explicar semelhante fato, se os dois livros abordavam a mesma problemática e defendiam as mesmas idéias? O espetacular impacto de Free to Choose, segundo o próprio Friedman, não podia ser exclusivamente atribuído à difusão alcançada pela série televisiva de mesmo nome que acompanhou o lançamento do livro e que o teve como protagonista. Antes disso, existia uma mudança mais profunda: a opinião pública havia mudado, as pessoas estavam mais receptivas à prédica insistente dos defensores do livre-mercado; as pessoas, agora estavam alertas para se defenderem da voracidade de um Estado disposto a monopolizar tudo, inclusive o bem mais apreciado pelo ser humano a liberdade individual. Em seu prefácio) de 1982 à nova edição de Capitalism and Freedom, Milton Friedman reconhecia satisfeito: 411 as idéias expostas e nonos dois livros ainda se acham muito distantes da corrente intelectual predominante, mas agora, pelo menos, respeitadas pela comunidade intelectual e parece que se tornaram quase comuns entre o grande público" (l985: 6), Margaret Thatcher já era Primeira Ministra da Inglaterra e Ronald Reagan, Presidente dos Estados Unidos. Helmut Khol acabara de ganhar as eleições na Alemanha... o neoliberalismo se transformava em uma verdadeira alternativa de poder no interior das principais potências do mundo capitalista.
Obviamente, a penetração social desses discursos não foi produto do acaso nem apenas uma questão decorrente dos méritos intelectuais daqueles obstinados professores universitários. Será no contexto da intensa e progressiva crise estrutural do regime de acumulação fordista que a retórica neoliberal ganhará espaço político e também, é claro, densidade ideológica. Tal contexto oferecerá a oportunidade necessária para que se produza esta confluência histórica entre um pensamento vigoroso no plano filosófico e econômico (embora, até então, de escasso impacto tanto acadêmico quanto social) e a necessidade política do bloco dominante de fazer frente ao desmoronamento da fórmula keynesiana cristalizada nos Estados de Bem-estar. A intersecção de ambas as dinâmicas permite compreender a força hegemônica do neoliberalismo.
Estes processos tiveram também eu impacto específico na América Latina. Com efeito, alguns países da região constituíram um verdadeiro laboratório de experimentação neoliberal de resultados aparentemente milagrosos. A América latina, de fato, foi o cenário trágico do primeiro experimento político do neoliberalismo em nível mundial: a dita dura do general Pinochet iniciada no Chile em 1973.
Entretanto, a contribuição latino-americano ao neoliberalismo mundial não se esgotou na experiência chilena. Durante os anos 80, e no contexto das incipientes democracias pós-ditatoriais, o neoliberalismo chegará ao poder, na maioria das nações da região, pela via do voto popular. Algumas experiências, inclusive, transcenderam as fronteiras como modelos "exitosos" capazes de iluminar (de forma quase universal) o caminho de uma verdadeira e profunda reforma econômica, a partir da qual garantir a estabilidade monetária e política, a partir da qual garantir uma suposta governabilidade democrática. Durante a segunda metade do século XX, o neoliberalismo deixou, assim, de ser apenas uma simples perspectiva teórica produzida em confrarias intelectuais, a orientar as decisões governamentais em grande parte do mundo capitalista, o que inclui desde as nações do Primeiro e do Terceiro Mundo até algumas das mais convulsionadas sociedades da Europa Oriental.
Cinco décadas de história teórica e quase vinte anos de experiência no exercício do poder permitem-nos identificar mais regularidades que, para além das especificidades locais, contribuem para a definição da natureza e do caráter dos programas de ajuste neoliberal num sentido global. Na seguinte, nosso interesse se concentrará nas regularidades apresentadas pela retórica neoliberal no campo educacional. Resumiremos a seguir algumas dimensões discursivas que configuram esta retórica, a partir da qual são elaboradas uma série de diagnósticos e, consequentemente, uma série de propostas políticas que devem, sob a perspectiva neoliberal, orientar uma profunda reforma do sistema escolar nas sociedades contemporâneas. Pretendo, desta forma, contribuir para a necessária tarefa de caracterizar a forma neoliberal de pensar e projetar as políticas . A possibilidade de conhecer e reconhecer a discursiva do neoliberalismo obviamente não é suficiente para freiar a força persuasiva de sua retórica. No entanto pode ajudar-nos a desenvolver mais e melhores estratégias de luta contra as intensas dinâmicas de exclusão social promovidas por tais políticas. Pretendo aqui contribuir minimamente para esse objetivo.
Podemos nós aproximar de uma compreensão crítica da forma neoliberal de pensar e traçar a política educacional procurando responder, brevemente, a quatro questões:
1. como entendem os neoliberais a crise educacional?
2. quem são, de acordo com essa perspectiva, seus culpados?
3. que estratégias definem para sair dela?
4. quem deve ser consultado para encontrar uma saída para a crise?
Em primeiro lugar é necessário destacar que na perspectiva neoliberal os sistemas educacionais enfrentam, hoje, uma profunda crise de eficiência, eficácia e produtividade, mais do que uma crise de quantidade, universalização e extensão.
Para eles, o processo de expansão da escola, durante a segunda metade do século, ocorreu de forma acelerada sem que tal crescimento tenha garantido uma distribuição eficiente dos serviços oferecidos. A crise das instituições escolares é produto, segundo este enfoque, da expansão desordenada e "anárquica" que o sistema educacional vem sofrendo nos últimos anos. Trata-se fundamentalmente de uma crise de qualidade decorrente da improdutividade que caracteriza as práticas pedagógicas e a gestão administrativa da grande maioria dos estabelecimentos escolares.
Neste sentido, a existência de mecanismos de exclusão e discriminação educacional resulta de forma clara e direta, da própria ineficácia da escola e da profunda incompetência daqueles que nela trabalham. Os sistemas educacionais contemporâneos não enfrentam, sob a perspectiva neoliberal, uma crise de democratização, mas uma crise gerencial. Esta crise promove, em determinados contextos, certos mecanismos de "iniqüidade" escolar, tais como a evasão, a repetência, o analfabetismo funcional etc.
O objetivo político de democratizar a escola está assim subordinado ao reconhecimento de que tal tarefa depende, inexoravelmente, da realização de uma profunda reforma administrativa do sistema escolar orientada pela necessidade de introduzir mecanismos que regulem a eficiência, a produtividade, a eficácia, em suma: a qualidade dos serviços educacionais.
Deste diagnóstico inicial decorre um argumento central na retórica construída pelas tecnocracias neoliberais: atualmente, inclusive nos países mais pobres, não faltam escolas, faltam escolas melhores; não faltam professores,, faltam professores mais qualificados; não faltam recursos para financiar as políticas educacionais, ao contrário, falta uma melhor distribuição dos recursos existentes. Sendo assim, transformar a escola supõe um enorme desafio gerencial: promover uma mudança substantiva nas práticas pedagógicas, tornando-as mais eficientes; reestruturar o sistema para flexibilizar a oferta educacional; promover urna mudança cultural, não menos profunda, nas estratégias de gestão (agora guiadas pelos novos conceitos de qualidade total); reformular o perfil dos professores, requalificando-os, implementar uma ampla reforma curricular, etc.
Segundo os neoliberais, esta crise se explica, em grande medida, pelo caráter estruturalmente ineficiente do Estado para gerenciar as políticas públicas. O clientelismo, a obsessão planificadora e os improdutivos, labirintos do burocratismo estatal explicam, sob a perspectiva neoliberal, a incapacidade que tiveram os governos para garantir a democratização da educação e, ao mesmo tempo", a eficiência produtiva da escola. A educação funciona mal porque foi malcriadamente peneirada pela política, porque foi profundamente estatizada. A ausência de um verdadeiro mercado educacional permite compreender a crise de qualidade que invade as instituições escolares. Construir tal mercado, conforme veremos mais adiante, constitui um dos grandes desafios que as políticas neoliberais assumirão no campo educacional. Só esse mercado, cujo dinamismo e flexibilidade expressam o avesso de um sistema escolar rígido e incapaz, pode promover os mecanismos fundamentais que garantem a eficácia e a eficiência dos serviços oferecidos: a competição interna e o desenvolvimento de um sistema de prêmios e castigos com base no mérito e no esforço individual dos atores envolvidos na atividade educacional. Não existe mercado sem concorrência, sendo ela o pré-requisito fundamental para garantir aquilo que os neoliberais chamam de eqüidade.
A planificação centralizada e, certamente, o clientelismo que caracteriza as práticas estatais impedem e travam a liberdade individual de eleger, única garantia para o estabelecimento de um sistema de prêmios e castigos baseado em critérios verdadeiramente meritocráticos. Para os neoliberais, o Estado de Bem-estar e as diversas formas de populismo que conheceram nossos países têm intensificado os efeitos improdutivos que se derivam da materialização histórica destas práticas clientelistas. Ao criticar enfaticamente a interferência política na esfera social, econômica e cultural, o neoliberalismo questionar a própria noção de direito e a concepção de igualdade que serve(ao menos teoricamente) como fundamento filosófico da existência de uma esfera de direitos sociais nas sociedades democráticas. Tal questionamento supõe, na perspectiva neoliberal, aceitar que uma sociedade pode ser democrática sem a existência de mecanismos e critérios que promovem uma progressiva igualdade e que se concretizam na existência de um conjunto inalienável de direitos sociais e de uma série de instituições públicas nas quais tais direitos se materializam.
Para os neoliberais a democracia não tem nada a ver com isso. Ela é simplesmente , um sistema político que deve permitir aos indivíduos desenvolver sua inesgotável capacidade de livre escolha na única esfera que garante e potencializa a referida capacidade individual: o mercado. A crise social se deriva, fundamentalmente, de que os sistemas institucionais dependentes da esfera do Estado (da política) não atuam eles mesmos como mercados. Isto ocorre, segundo a perspectiva neoliberal, no campo da saúde, da previdência, das políticas de emprego e também, é claro, da educação.
De certa forma, a crise é produto da difusão (excessiva, aos olhos de certos neoliberais atentos) da noção de cidadania. Para eles, o conceito de cidadania em que se baseia a concepção universal e universalizante dos direitos humanos (políticos, sociais, econômicos, culturais etc.) tem gerado um conjunto de falsas promessas que orientaram ações coletivas e individuais caracterizadas pela improdutividade e pela falta de reconhecimento social no valor individual da competição.
Com efeito, como já tentei demonstrar em outros trabalhos, a grande operação estratégica do neoliberalismo consiste em transferir a educação da esfera da política para a esfera do mercado questionando assim seu caráter de direito e reduzindo-a a sua condição de propriedade. É neste quadro que se reconceitualiza a noção de cidadania, através de uma revalorização da ação do indivíduo enquanto proprietário, enquanto indivíduo que luta para conquistar (comprar) propriedades-mercadorias diversa índole, sendo a educação uma delas. O modelo de homem neoliberal é o cidadão privatizado o entrepreneur, o consumidor.
2. Os culpados
Sendo assim, é relativamente fácil avançar na resposta à nossa segunda pergunta: (quem são os culpados pela crise educacional? Existem, desta perspectiva alguns responsáveis diretos e outros indiretos. Entre os primeiros se encontram, obviamente, o modelo de Estado assistencialista e uma das configurações institucionais que o tem caracterizado: os sindicatos. A existência de fortes sindicatos nacionais e organizados em função de grandes setores de atividade, os quais proclamam a defesa de um interesse geral baseado na necessidade de construir e expandir a esfera dos direitos sociais, constitui, na perspectiva neoliberal, uma barreira intransponível para a possibilidade de desenvolver os já mencionados mecanismos de competição individual que garantem o progresso social. Nesse sentido os principais responsáveis pela crise educacional se encontram os próprios sindicatos de professores e todas aquelas organizações que defendem o direito igualitário a uma escola pública de qualidade. Entretanto, semelhante argumento apresenta um problema evidente. Com efeito, se o Estado e os sindicatos são os principais responsáveis pela crise, deveria supor-se que a simples redução do primeiro à sua mínima expressão e a desaparição definitiva dos segundos constituem uma garantia mais do que suficiente para superar a crise atual das instituições educacionais. Da perspectiva neoliberal isso e, o menos em parte, efetivamente assim. Porém, mesmo quando os neoliberais chegam o poder e desenvolvem (muitas vezes com êxito) sua implacável desarticulação dos mecanismos de intervenção do Estado, e sua não menos implacável fragmentação das organizações sociais, nem sempre a crise educacional se soluciona.
Na perspectiva neoliberal, isto acontece porque a crise educacional não se reduz apenas à existência de um certo modelo de Estado, nem ao caráter supostamente corporativo das entidades sindicais. O problema é mais complexo: os indivíduos são também culpados pela crise. e é culpada na medida em que as pessoas ajeitaram corno natural e inevitável o status quo estabelecido por aquele sistema improdutivo de intervenção estatal. Os pobres são culpados pela pobreza; os desempregados pelo desemprego; os corruptos pela corrupção; os faceados pelas violência urbana; os sem-terra pela violência no campo; os pais pelo rendimento escolar de seus filhos; os professores pela péssima qualidade dos serviços educacionais. O neoliberalismo privatiza tudo, inclusive também o êxito e o fracasso social. Ambos passam a ser considerados variáveis dependentes de um conjunto de opções individuais através das quais as pessoas jogam dia a dia seu destino, como num jogo de baccarat. Se a maioria dos indivíduos é responsável por um destino não muito gratificante é porque não souberam reconhecer as vantagens que oferecem o mérito e o esforço individuais através dos quais se triunfa na vida. É preciso competir, e uma sociedade moderna é aquela na qual só os melhores triunfam. Dito de maneira simples: a escola funciona mal porque as pessoas não reconhecem o valor do conhecimento; os professores trabalham pouco e não se atualizam, são preguiçosos; os alunos fingem que estudam quando, na realidade, perdem tempo, etc.
Trata-se, segundo os neoliberais, de um problema cultural provocado pela ideologia dos direitos sociais e a falsa promessa de que uma suposta condição de cidadania nos coloca a todos em igualdade de condições para exigir o que só deveria ser outorgado àqueles (que, graças ao mérito e ao esforço individual, se consagram como consumidores empreendedores.
A lógica competitiva promovida por um sistema de prêmios e castigos com base em tais critérios meritocráticos cria as condições culturais que facilitam uma profunda mudança institucional voltada para a Configuração de um verdadeiro mercado educacional. Superar a crise implica, então, o desafio de traçar as estratégias mais eficientes a partir das quais é possível construir tal mercado. Passemos a seguir para a terceira questão.
3. As estratégias
As políticas educacionais implementadas elas administrações neoliberais permitem reconhecer uma série de regularidades que, para além das especificidades locais, caracterizam e unificam as estratégias de reforma escolar levadas a cabo por esses governos. Poderíamos dizer que existe um consenso estratégico entre os, intelectuais conservadores sobre como e com que receitas enfrentar a crise educacional. Obviamente, tal consenso decorre da formulação de um diagnóstico comum partir do qual é possível explicar e descrever os motivos que originaram a crise) e, ao mesmo tempo, de uma identificação também comum sobre os supostos responsáveis por essa crise. A experiência internacional parece indicar a existência de um Consenso de Washington,, também no plano de reforma educacional. Na construção desse consenso desempenharam um papel central as agências internacionais, em especial, o Banco Mundial e, mais recentemente, uma série de intelectuais transnacionalizados(os experts) que, assumindo um papel pretensamente evangelizador, percorrem o mundo vendendo seus papers pré-fabricados a quem mais lhes oferecer. Retornaremos a esses mais adiante.
Essas regularidades se expressam em uma série d objetivos que articulam e dão coerência às reformas educacionais implementadas pelos governos neoliberais:
a) por um lado, a necessidade de estabelecer mecanismos de controle e avaliação da qualidade dos serviços educacionais (na ampla esfera dos sistemas e, de maneira específica, no interior das próprias instituições escolares)
b) por outro, a necessidade de articular e subordinar produção educacional às necessidades estabelecidas pelo mercado de trabalho
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O primeiro objetivo promove e, de certa forma, garante a materialização dos citados princípios meritocráticos competitivos. O segundo dá sentido e estabelece o rumo(o horizonte) das políticas educacionais, ao mesmo tempo que permite estabelecer critérios para avaliar a pertinência das propostas de reforma escolar. É o mercado de trabalho que emite os sinais que permitem orientar as decisões em matéria de política educacional. É a avaliação das instituições escolares e o estabelecimento de rigorosos critérios de qualidade o que permite dinamizar o sistema através de uma lógica de prêmios e castigos que estimulam a produtividade e a eficiência no sentido anteriormente destacado.
Não vamos desenvolver aqui as características e o conteúdo que assumem essas estratégias de reforma. No entanto, é importante especificar brevemente duas questões relevantes vinculadas a tais objetivos. O neoliberalismo formula um conceito específico de qualidade, decorrente das práticas empresariais é transferido, sem mediações, para o campo educacional. As instituições escolares devem ser pensadas e avaliadas (isto é, devem julgados seus resultados), como se fossem em presas Produtivas. Produz-se nelas um tipo específico de mercadoria (o conhecimento, o aluno escolarizado, o currículo) e, conseqüentemente, suas práticas devem estar submetidas aos mesmos critérios de avaliação que se aplicam em toda empresa dinâmica, eficiente e flexível. Se os sistemas de Total Quality Control (TQC) têm demonstrado um êxito comprovado no mundo dos negócios, deverão produzir os mesmos efeitos produtivos no campo educacional.
Por outro lado, é importante destacar que quando os neoliberais enfatizam que a educação deve estar subordinada às necessidades do mercado de trabalho, estão se referindo a uma questão muito específica: a urgência de que o sistema educacional se ajuste às demandas do mundo dos empregos. Isto não significa que a função social da educação seja garantir esse empregos e, menos ainda, criar fontes de trabalho. Pelo contrário, o sistema educacional deve promover o que os neoliberais chamam de empregabilidade.
Isto é, a capacidade flexível de adaptação individual às demandas do mercado de trabalho. A função "social" da educação esgota-se neste ponto. Ela encontra o seu preciso limite no exato momento em que o indivíduo se lança ao mercado para lutar por um emprego. A educação deve apenas oferecer essa ferramenta necessária para competir nesse mercado. O restante depende das pessoas. Como no jogo de baccarat do qual nos fala Friedman, nada está aqui determinado de antemão, embora saibamos, que alguns triunfarão e outros estarão condenados ao fracasso.
Uma dinâmica aparentemente paradoxal caracteriza a estratégias de reforma educacional promovidas pelos governos neoliberais: as lógicas articuladas de descentralização centralizante e de centralização-descentralizada. De fato por um lado, as estratégias neoliberais contra a crise educacional se configuram como uma clara resposta descentralizadora diante dos supostos perigos do planejamento estatal e dos efeitos improdutivos das burocracias governamental e sindicais. Transferem-se as instituições escolares da jurisdição federal para a estadual e desta para a esfera municipal: municipaliza-se o sistema de ensino. Propõe-se para níveis cada vez mais micro (inclusive a própria escola), evitando-se, assim, interferência "perniciosa" do centralismo governamental; desarticulam-se os mecanismos unificados de negociação com organizações dos trabalhadores da educação (dinâmica que tende a questionar a própria necessidade das entidades sindicais); flexibilizam-se as formas de contratação e retribuições salariais dos docentes, etc.
Mas, por outro lado e ao mesmo tempo, os governos neoliberais centralizam certas funções, as quais não são transferidas aos municípios, aos governos estaduais nem, muito menos, aos próprios professores ou à comunidade:
a) a necessidade de desenvolver sistemas nacionais de avaliação dos sistemas educacionais(basicamente provas de rendimento aplicadas à população estudantil);
b) a necessidade de desenhar e desenvolver reformas curriculares a partir das quais estabelecer os parâmetros e conteúdos básicos de um Currículo Nacional;
c) associada à questão anterior a necessidade de desenvolver estratégias de formação de professores centralizadas nacionalmente e que permitam atualização dos docentes segundo o plano curricular estabelecido na citada reforma.
O Estado neoliberal é mínimo quando deve financiar a escola pública e máximo quando define de forma centralizada o conhecimento oficial que deve circular pelos estabelecimentos educacionais, quando estabelece mecanismos verticalizados e antidemocráticos de avaliação do sistema e quando retira autonomia pedagógica às instituições e aos atores coletivos da escola, entre eles, principalmente, aos professores. Centralização e descentralização são as duas faces de uma mesma moeda: a dinâmica autoritária que caracteriza as reformas educacionais implementadas pelos governos neoliberais.
Para compreender um pouco melhor a natureza da mudança institucional promovida pelo neoliberalismo nos âmbitos escolares, farei um pequeno parêntese. Estabelecerei, a título ilustrativo, uma analogia entre as funções atribuídas às instituições educacionais e a lógica que regula o funcionamento dos fast foods nas modernas sociedades de mercado. Esta comparação poderá nos permitir avançar na caracterização de um processo que denominaremos aqui mcdonaldização da escola e que, na minha perspectiva, sintetiza de forma eloqüente o sentido assumido pela reforma neoliberal levada a cabo nos âmbitos educacionais.
3. 1. A mcdonaldização da escola
Os processos de mcdonaldização têm sido destacados por alguns autores para referir-se à transferência dos princípios que regulam a lógica de funcionamento dos fast foods a espaços institucionais cada vez mais amplos na vida social do capitalismo contemporâneo. A mcdonaldização da escola, processo que se concretiza em diferentes e articulados planos (alguns mais gerais e outros mais específicos), constitui uma metáfora apropriada para caracterizar as formas dominantes de reestruturação educacional propostas pelas administrações neoliberais.
Na ofensiva antidemocrática e excludente promovida pelo ambicioso programa de reformas estruturais impulsionado pelo neoliberalismo, as instituições educacionais tendem a ser pensadas e reestruturadas sob o modelo de certos padrões produtivistas e empresariais.
Já temos enfatizado que os neoliberais definem um conjunto de estratégias dirigidas a transferir a educação da esfera dos direitos sociais à esfera do mercado. A ausência de um verdadeiro mercado educacional (isto é, a ausência de mecanismos de regulação mercantil que configurem as bases de um mercado escolar) explica a crise de produtividade da escola. Para os neoliberais, o reconhecimento desse fato permite orientar urna saída estratégica mediante a qual é possível conquistar, sem "falsas promessas", uma educação de qualidade e vinculada às necessidades do mundo moderno: as instituições escolares devem funcionar como empresas produtoras de serviços educacionais. A interferência estatal não pode questionar o direito de livre escolha que os consumidores de educação devem realizar no mercado escolar. Apenas um conglomerado de instituições corri essas características pode obter níveis de eficiência baseados na competição e no mérito individual. Os McDonald's constituem um bom exemplo de organização produtiva com tais atributos e, nesse sentido, representam um bom modelo organizacional para a modernização escolar. Vejamos algumas das possíveis coincidências entre ambas as esferas. Em primeiro lugar, os fast foods, e as escolas têm um ponto básico em comum. Ambos existem para dar conta de duas necessidades fundamentais nas sociedades modernas: comer e ser socializado escolarmente. Embora a primeira seja uma necessidade tão antiga quanto a própria Humanidade e a segunda nem tanto, não existiria, aparentemente, nenhuma originalidade nas funções que atualmente são cumpridas tanto pelos McDonald's quanto pelas escolas. Entretanto, aqui, como na produção de toda mercadoria, o importante não é apenas a coisa produzida ( o hambúrguer ou o conhecimento oficial), mas a forma histórica que adquire a produção desses processos, quer se trate da indústria da comida rápida, quer se trate da indústria escolar. Isto é, o que unifica os McDonalds e a utopia educacional dos homens de negócios é que, em ambos, a mercadoria oferecida deve ser produzida de forma rápida e de acordo com certas e rigorosas normas de controle da eficiência e da produtividade. O modelo McDonald's tem demonstrado, graças à universalização do hambúrguer, uma enorme capacidade para ter sucesso no mercado da alimentação "rápida" (se é que o termo "alimentação" pode ser aplicado nesse caso). A escola, pelo contrário, no que se refere a suas funções educacionais, não tem sido tão bem sucedida, se avaliada sob a ótica empresarial defendida pelos neoliberais. Os princípios que regulam a prática cotidiana dos McDonald's, em todas as cidades do planeta, bem que poderiam ser aplicados às instituições escolares que pretendem percorrer a trilha da excelência: "qualidade, serviço, limpeza e preço". A rigor na perspectiva dos homens de negócios, esses princípios devem regular toda prática produtiva moderna. O próprio fundador dessa cadeia de restaurantes, Ray Kroc, tem dito, sem falsa modéstia: "se me tivessem dado um tijolo cada vez que repeti essas palavras, creio que teria podido construir uma ponte sobre o Oceano Atlântico" (Peter & Waterman, 1984: 170). A escola, pensada e projetada como uma instituição prestadora de serviços, deve adotar esses princípios de demonstrada eficácia para obter certa liderança em qualquer mercado.
Esse aspecto de caráter geral se vincula a outra coincidência (ou melhor, a outra lição) que os McDonald's oferecem às instituições educacionais. De forma bastante simples, podemos dizer que os fast foods surgiram para responder a uma demanda da sociedade moderna pós-industrial: as pessoas correm muito; estão, em grande parte do dia, fora de casa; e têm pouco tempo para comer. Entre os fast foods realmente existentes, o McDonald's adquiriu liderança mundial, aproveitando-se daquilo que na terminologia empresarial se denomina "vantagens comparativas". Uma grande capacidade administrativa permitiu que essa empresa conquistasse uni importante nicho no mercado da comida rápida. Algumas das correntes dominantes entre as perspectivas acadêmicas dos homens de negócios enfatizam que a capacidade competitiva de uma empresa (e inclusive de uma nação) se define por seu dinamismo e flexibilidade para descobrir e ocupar determinados segmentos (ou nichos) que se abrem à competição empresarial. Assim, os mercados expressam tendências e necessidades heterogêneas. Reconhecer tal diversidade faz parte da habilidade empresarial daqueles que conduzem as grandes corporações conseguem sobreviver à intensa competição inter-empresarial. O que é tudo isso tem a ver com a educação? A resposta é simples: se o sistema escolar tem que se configurar como mercado educacional, as escolas devem definir estratégias competitivas para atuar em tais mercados, conquistando nichos que respondam de forma específica à diversidade existente nas demandas de consumo por educação. Mcdonaldizar, a escola supõe pensá-la como urna instituição flexível que deve reagir aos estímulos (os sinais) emitidos por um mercado educacional altamente competitivo.
Entretanto, alguém, provavelmente intrigado, poderia perguntar qual é a razão que explica que o mercado educacional deva ser necessariamente competitivo. Os neoliberais respondem a essa questão também de forma simples: assim como as pessoas precisam comer hambúrgueres porque o trabalho (e, claro, a mídia) o exige, também precisam educar-se porque o conhecimento se transformou na chave de acesso à nova Sociedade do saber. Na perspectiva dos homens de negócios, nesse novo modelo de sociedade, a escola deve ter por função a transmissão de certas competências e habilidades necessárias para que as pessoas atuem competitivamente num mercado de trabalho altamente seletivo e cada vez mais restrito. A educação escolar deve garantir as funções de classificação e hierarquização dos postulantes aos futuros empregos (ou aos empregos do futuro). Para os neoliberais, nisso reside a "função social da escola". Semelhante "desafio" só pode ter êxito num mercado educacional que seja, ele próprio, uma instância de seleção meritocrática, em suma, um espaço altamente competitivo.
A necessidade de permitir a competição inter-institucional (escola versus escola) explica a ênfase neoliberal no desenvolvimento de mecanismos de desregulamentação, flexibilização da oferta e livre escolha dos consumidores na esfera educacional. Entretanto, essa questão não esgota a reforma competitiva que os neoliberais pretendem impor na esfera escolar. Nessa perspectiva, a competição deve caracterizar a própria lógica interna das instituições educacionais. A possibilidade de construção de um mercado escolar competitivo depende, entre outros fatores, da difusão de rigorosos critérios de competição interna que regulem as práticas e as relações cotidianas da escola. Algo similar ocorre nos McDonald's.
De fato, os sistemas de controle e promoção de pessoal no McDonald's são conhecidos (e em muitas ocasiões tomados como modelos) pelo uso eficaz de um sistema de incentivos que promove uma dura e implacável competição interna entre os trabalhadores bem como a difusão de um sistema de prêmios e castigos dirigidos a motivar o "pertencimento" e a adesão incondicional à empresa. Esses mecanismos estão sendo cada vez mais difundidos nos âmbitos escolares até mesmo quando as normas jurídicas vigentes não o permitem). Quem mais produz mais ganha. E só é possível saber quem mais produz quando se avaliam rigorosamente os atores envolvidos no processo pedagógico(sejam professores, alunos, funcionários etc.). Os prêmios à produtividade são, tal como no McDonald's, tanto meramente simbólicos(quadro de honra, empregado do mês), quanto materiais(aumento salarial, prêmios em espécie, promoção de categoria). A educação deve ser pensada como um grande campeonato. Nela, os triunfadores sabem que o primeiro desafio é assumirem-se como ganhadores. "Tu pertences à equipe dos campeões!", costuma repetir orgulhoso Ray Kroe em suas habituais arengas à sua tropa de despachantes de hambúrgueres e batatas fritas baratas. Espírito de luta, de auto-superação, de confiança no valor do mérito, certeza de saber que quem está ao nosso lado só atrapalha nosso caminho ao sucesso. Nada mais apreciado na escola do que o título de Mestre do Ano. Nada mais cobiçado no McDonald's do que o prêmio All American Hamburguer-Maker.
A pedagogia da Qualidade Total se inscreve nessa forma particular de compreender os processos educacionais, não sendo mais do que uma tentativa de transferir para a esfera escolar os métodos e as estratégias de controle de qualidade próprios do campo produtivo.
O processo de mcdonaldização da escola também tem seu efeito no campo do currículo e na formação de professores. Quem se aventurar a estudar com mais detalhes os fast foods(tarefa que constituiria uma grande contribuição para compreender melhor nossas escolas) poderá encontrar uma surpreendente similitude entre os mecanismos de planejamento dos cardápios nesse tipo de negócio e as estratégias neo-tecnicistas de reforma curricular. O caráter assumido pelo planejamento dos currículos nacionais, no contexto da reforma educacional promovida pelos regimes neoliberais poderia muito bem ser entendido como um processo de macdonaldização do conhecimento escolar.
Ao mesmo tempo, no contexto desses processos de modernização conservadora, as p políticas de formação de docentes vão se configurando como pacotes fechados de treinamento (definidos sempre por equipes de técnicos, experts e até consultores de empresas!) planejados de forma centralizada, sem participação dos grupos de professores envolvidos no processo de formação, e apresentando uma alta transferibilidade (ou seja, com grande potencial para serem aplicados em diferentes contextos geográficos e com diferentes populações) É essa, precisamente, uma das características que têm facilitado a expansão internacional de uma empresa como o McDonald's. Esse tipo de ernpresa tem tido um papel fundamental no desenvolvimento daquilo que poderíamos chamar aqui "pedagogia fast food": sistemas de treinamento rápido com grande poder disciplinador e altamente centralizados em seu planejamento e aplicação. A Hamburguer University de McDonald's em Chicago e sua competidora, a Harvard dos preparadores de batatas fritas, a Burger King University, na perspectiva dos homens de negócios, constituem invejáveis modelos de instituições educacionais de novo tipo. Assim, inclusive, aparecem tios manuais que estimulam o êxito empresarial, enfatizando o novo valor e a centralidade do conhecimento na sociedade do futuro. Formar um professor não costuma ser considerada uma tarefa mais complexa do que a de treinar um preparador de Hamburguer.
Por último, a mcdonaldização do campo educacional se expressa através das cada vez mais freqüentes formas de terceirização (pedagógica e não-pedagógica) que tendem a caracterizar o trabalho escolar nos programas de reforma propostos (e impostos) pelo neoliberalismo. Vejamos. Uma loja do McDonald's (suponhamos, em Moscou) é sempre um espaço de integração de diversos trabalhos parciais realizados em outras unidades produtivas. De certa forma, o Big Mac é a síntese "dialética de uma série de contribuições terceirizadas: por um lado, existe quem produz a carne, quem fabrica o pão, quem fornece o ketchup e, por outro, quem cultiva os pepinos. O McDonald's da Praça Vermelha simplesmente articula com a mesma eficiência e limpeza que o McDonald's da Quinta Avenida( em Nova York) esses insumos, os quais, todos juntos, dão origem a esse grande invento da cultura americana que são duas pequenas bolas achatadas de carne moída cujo suporte são dois pedaços de pão. O Big Mac só pode ser compreendido, a partir da perspectiva de um expert na indústria de hambúrgueres, como o resultado de uma criativa planificação centralizada e uma não menos criativa descentralização das funções exigidas para a elaboração de um produto cujos insumos são fornecidos por um número variável de produtores. A aplicação de uma série de rígidos controles de qualidade (também centralizados) garante uma alta produtividade, além da redução dos custos de produção e, em conseqüencia, um aumento da rentabilidade obtida por esses restaurantes. Essa racionalidade se aplica também ao campo educacional . A lógica do lucro e da eficiência penetra as administrações neoliberais. É nesse contexto que a terceirização do trabalho educacional constitui uma forma de mcdonaldizar a própria escola.
Alguém de espírito certamente apocalíptico poderia dizer, com razão, que a mcdonaldização da escola não se aplica a um dos atributos que tem caracterizado o notório crescimento dos fast foods nesta segunda metade do século X: sua progressiva universalização. Analisando as condições atuais do desenvolvimento capitalista, poderíamos suspeitar, com efeito, que os McDonald's têm melhor futuro o que a escola pública. Provavelmente, as vantagens comparativas dos fast foods permitirão que, em muitos de nossos países, os hambúrgueres e as batatas fritas se democratizem mais rapidamente do que o conhecimento. Entretanto, este é um problema de caráter especulativo que excede nossas possibilidades de reflexão? ao menos por enquanto.
O processo de mcdonaldização da escola deve ser considerado de forma "relacional". Não se trata de um fato isolado e arbitrário. Pelo contrário , ele só pode ser explicado no contexto do profundo processo de reestruturação política, econômica , jurídica e também, é claro, educacional que está ocorrendo no capitalismo de fim de século. A crise do fordismo e a configuração de um novo regime de acumulação pós-fordista permite entender . o caráter e a natureza das reformas impulsionadas pelos regimes neoliberais na esfera escolar. Na economia-rnundo capitalista se articulam novos mapas institucionais cuja geografia do benefício produz e reproduz novas e velhas formas de exclusão e desintegração social.
A escola não é alheia a esses processos; sua própria estrutura e funcionalidade é colocada em questionamento por tais dinâmicas. O processo mcdonaldização expressa essa mudança institucional dirigida a conformar as bases de uma escola toyotizada, uma escola de alto desempenho, a administrada pelos novos líderes gerenciais, os quais planejam formas de aprendizagem de novas habilidades exigidas por um local de trabalho reestrurado, formas que sejam "concretas", "práticas"", ligadas à vida real e organizadas através de equipes de trabalho (Wexler- 1995: 162).
De qualquer forma, é importante destacar que essa nova racionalidade do aparato escolar se constrói sobre aqueles princípios que regulavam a escola taylorista. Trata-se de um processo de reestruturação educacional onde se articulam novas e velhas dinâmicas organizacionais, onde se definem novas e velhas lógicas produtivistas através das quais a reforma escolar se reduz a uma série de critérios empresariais de caráter alienante e excludente.
4. Os sabichões
Tendo chegado a este ponto, procuraremos responder à nossa última pergunta: quem, na perspectiva neoliberal, deve ser consultado para poder superar a atual crise educacional? Poderíamos formular nossa pergunta de forma negativa: quem não deve ser consultado? A resposta é, em princípio, simples: os próprios culpados pela crise (especialmente, é claro, os sindicatos e aqueles "perdedores" que sofrem as conseqüências do infortúnio e a desgraça econômica por terem desconfiado do esforço e da perseverança meritocrática que permitem triunfar na vida, ou seja: as grandes maiorias). Defender e promover aquele velho e "improdutivo" modelo de Estado de Bem-Estar parece também não ser um bom caminho para superar a crise.
Quem, então, deve ser consultado? Quem pode nos ajudar a sair da crise? Obviamente, os exitosos: os homens de negócios. O raciocínio neoliberal é, neste aspecto, transparente: se os empresários souberam triunfar na vida (isto é, se souberam desenvolver-se com êxito no mercado) e o que está faltando em nossas escolas é justamente "concorrência", quem melhor do que eles para dar-nos as "dicas" necessárias para triunfar? O sistema educacional deve converter-se ele mesmo em um mercado.... devem então ser consultados aqueles que melhor entendem do mercado para ajudar-nos a sair da improdutividade e da ineficiência que caracterizam as práticas escolares e que regula a lógica cotidiana das instituições educacionais em todos os níveis. É nesse contexto que deve ser compreendida a atitude mendicante e cínica dos governantes que solicitam aos empresários "humanistas" a adoção de uma escola. Se cada empresário adotasse uma escola, o sistema educacional melhoraria de forma quase automática graças aos recursos financeiros que os "padrinhos" distribuiriam (doariam), bem como aos princípios morais que, vinculados a urna certa filosofia da qualidade total, da cultura do trabalho e idade do esforço individual, eles difundiriam na comunidade escolar.
No entanto, a questão não se esgota aqui. Em certo sentido, para os neoliberais, a crise envolve um conjunto de problemas técnicos (ou seja: pedagógicos) desconhecidos pelos empresários, mas que também devem ser resolvidos de forma eficiente. Assim, sair da crise pressupõe consultar os especialistas e técnicos competentes que dispõem do saber instrumental necessário para levar a cabo as citadas propostas de reforma: peritos em currículo, em formação de professores à distância, especialistas em tomadas de decisões com escassos recursos, sabichões reformadores do Estado, intelectuais competentes em redução do gasto público, doutores em eficiência e produtividade, etc. Alguém candidamente poderia perguntar-se de onde tirar tanta gente. A resposta a semelhante questão pode ser encontrada nos corredores dos Ministérios de educação de qualquer governo neoliberal: são os organismos internacionais (especialmente o Banco Mundial) os que fornecem todo tipo de especialistas nestas matérias. Para trabalhar nestes organismos, que não são precisamente de beneficência e ajuda mútua, basta fazer projetos que se retro-alimentem a si mesmos e, de preferência, ter sido de esquerda na puberdade profissional.
III. Conclusão
O aumento da pobreza e da exclusão conduzem à conformação de sociedades estruturalmente divididas nas quais, necessariamente, o acesso às instituições educacionais de qualidade e a permanência nas mesmas tende a transformar-se em um privilégio do qual gozam apenas as minorias. A discriminação educacional articula-se desta forma com os profundos mecanismos de discriminação de classe, de raça e gênero historicamente existentes em nossas sociedades. Tais processos caracterizam a dinâmica social assumida pelo capitalismo contemporâneo, apesar dos mesmos se concretizarem com algumas diferenças regionais evidentes no contexto mais amplo do sistema mundial. De fato, o capitalismo avançado também tem sofrido a intensificação deste tipo de tendências no seio de sociedades aparentemente imunes ao aumento da pobreza, da miséria e da exclusão.
Dois processos decorrentes das políticas neoliberais produzem também um impacto direto na esfera das políticas educacionais: a dificuldade (ou, em alguns casos, a impossibilidade) de manter expandir mecanismos democráticos de governabilidade, e o aumento acelerado da violência. social, política e econômica contra os setores populares urbanos e rurais
Por outro lado, e ao mesmo tempo, a crescente difusão de intensas relações de Corrupção - sendo a corrupção política apenas uma das expressões mais eloqüentes deste processo - tende a criar as bases materiais e culturais um tecido social marcado pelo individualismo e pela ausência de mecanismos de solidariedade coletiva. O darwinismo social intensifica o processo de fragmentação e de divisão estrutural produzido no interior das sociedades neoliberais. A corrupção como problema que ultrapassa o âmbito da moral particular das elites políticas e econômicas, isto é, como lógica cultural, constitui um fator característico deste processo de desagregação e desintegração social. Tal lógica cultural penetra capilarmente em todas as instituições principalmente nas educacionais, as quais tendem a Converter-se em promotoras e difusoras desta nova forma de individualismo exacerbado.
Em suma, os governos neoliberais deixaram (e estão deixando) nossos países muito mais pobres, mais excludentes, mais desiguais. Incrementaram (e estão incrementando) a discriminação social, racial e sexual, reproduzindo os privilégios das minorias. Exacerbaram (e estão exacerbando) o individualismo e a competição selvagem, quebrando assim os laços de solidariedade coletiva e intensificando um processo antidemocrático de seleção "natural" onde os "melhores"" triunfam e os piores perdem. E, em nossas sociedades dualizadas, os "melhores" acabam sendo sempre as elites que monopolizam o poder político, econômico e cultural, e os "piores", as grandes maiorias submetidas a um aumento brutal das condições de pobreza e a uma violência repressiva que nega não apenas os direitos sociais, mas, principalmente, o mais elementar direito à vida.
A resposta neoliberal é simplista e enganadora: promete mais mercado quando, na realidade, é na própria configuração do mercado que se encontram as raízes da exclusão e da desigualdade. É nesse mercado que a exclusão e a desigualdade se reproduzem e se ampliam. O neoliberalismo nada nos diz acerca de como atuar contra as causas estruturais da pobreza; ao contrário, atua intensificando-as.
O desafio de uma luta efetiva contra as políticas neoliberais é enorme e complexo. A esquerda não deve ser arrastada (ou arrasada) pelo pragmatismo conformista e acomodado segundo o qual o ajuste neoliberal é, hoje, a &ua

Fonte: http://www.cefetsp.br/
5 de agosto de 2011 às 10:59Emilio Lopez: A raiz da violência na escola pública paulista

por Emilio Carlos Rodriguez Lopez

O jornal Estado de S. Paulo do dia 1º de agosto trouxe a informação que 62% da rede estadual enfrenta problemas de violência dentro do ambiente escolar, de acordo com relatos dos próprios diretores. São roubos, depredações, pichações, violência contra professores, alunos, e funcionários e até brigas entre estudantes. Hoje a rede tem aproximadamente 5271 escolas, ou seja, 3268 escolas tiveram cenas de violência, que como a matéria mostra se tornou algo do cotidiano escolar.

Ocorre que este problema tem uma raiz mais profunda: a ausência do Estado nas escolas e a conseqüente ausência da autoridade na rede estadual. Devemos lembrar que o governo do Estado na gestão desastrosa de Rose Neubauer/Mário Covas promoveu uma série de reformas educacionais, que visavam “economizar recursos para o cofre do Tesouro Estadual” e alcançar as famosas metas de superávit primário, deste modo é que se implanta a aprovação automática.

A pretensa economia visava diminuir os índices de repetência e evasão. No fundo, foi transferido para a sociedade e empresas o custo de reciclar a mão de obra, devido às precárias condições de ensino oferecidas. Desta forma, em 2010, a secretaria de Educação gastou R$ 18 bilhões e por aluno a despesa chegou a 4,4 mil reais por ano. Como hipótese, se devido a má formação recebida na escola, as empresas tiverem de aplicar vinte por cento dos gastos realizado pela secretaria de Educação, isto representaria R$ 3,6 bilhões por ano. Isto implica no aumento do custo São Paulo para que se possa cobrir as deficiência da educação pública paulista.

A garantia da não repetência, ou seja, o “passa-passa” nas escolas públicas de São Paulo na Educação simbolizou para os alunos a possibilidade de agir na escola com a certeza de que não haverá consequência. A sensação da impunidade, aliada a destruição de laços familiares, do desmoronamento de valores éticos e do avanço do crime organizado levaram a rede estadual a se transformar em um depósito de alunos e não em escolas. Por isso, as más notas e a baixa qualidade educacional.

Para que a Educação dê frutos é necessário disciplina e respeito entre professor e aluno; e para isto é preciso que o Estado esteja presente no cotidiano escolar, coíba a violência contra o educador, melhore as condições de trabalho e permita que o professor seja professor, e não um mero estafeta que cuida do amontoado de alunos.

Além do mais, vivemos um sistema que o bom aluno é punido, visto que entre que ele e o mau aluno passam igualmente de ano, com isso, o mérito do bom aluno e esforço de aprender são jogados na lata do lixo. Uma rede que apenas quer dar conta de tirar o aluno da rua e não educa-lo, só pode ser ineficaz e ser o reino completo da violência e da barbárie.

A primeira providência neste sentido seria o fim do grotesco modelo do ciclo-série paulista, uma mistura de série e ciclo, feita para promover a economia de recursos para o Tesouro Estadual. Neste momento, o melhor seria a volta da seriação que contribuiria para diminuir a sensação de impotência do educador e início da restauração da autoridade.

Antes de qualquer coisa é preciso lembrar que autoridade não quer dizer autoritarismo. A idéia de autoridade estava vinculada ao direito legítimo do exercício do poder e ao seu valor pessoal. Já o autoritarismo, tem de ver com o despotismo, o domínio pela força física e violência, que pressupõe a ausência do diálogo, como condição fundamental para o exercício democrático. O autoritarismo se manifesta quando a autoridade é surda para os demais e se impõem pela força, e não por um conjunto de idéias.

Nos 16 anos do PSDB temos visto muito autoritarismo e pouca autoridade, basta citar as constantes violências sofridas pelos educadores na escola, veiculada pela mídia. Por que o Estado usa polícia para punir o professor ou servidor que faz greve e o mesmo governo não oferece segurança para o funcionário público poder exercer a sua função??? Quantos professores não se encontram desiludidos por não poderem repartir o que levaram anos estudando?

A mídia muitas vezes faz o papel que este Estado ausente da escola quer: responsabiliza o professor pela crise na Educação e faz a grande transformação: de vítima passa a ser o responsável pelo caos. Quanto ao governo, este não é responsável pelo que ocorre.

A melhora na Educação passa por fortalecer o núcleo familiar e melhorar as relações humanas. Os pais deveriam lembrar que dinheiro nenhum paga a atenção e o carinho com os filhos. Lembro ainda, que segundo pesquisa da Unicamp publicada a dois anos atrás, 70% da educação depende da família; inclusive o hábito de leitura se aprende em casa. O aluno deveria ser burilado, mas agora querem que a escola faça o trabalho da família, mas isto é impossível devido às condições reinantes.

Creio, como foi mostrada em muitos lugares, quando a autoridade do Estado está presente à violência diminui. Como os tucanos adoram passar os problemas para os outros resolverem, já aviso, não há como terceirizar a autoridade.

Emilio Carlos Rodriguez Lopez é formado em História pela USP.


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Gustavo Cherubine

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Quando reparto meu pão com os pobres me chamam santo, quando pergunto pelas causas da pobreza me chamam de comunista.”
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"Se você é capaz de tremer de indignação a cada vez que se comete uma injustiça no mundo, então somos companheiros."
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"Rouba a terra de seus filhos, nada respeita. Esquece os antepassados e os direitos dos filhos. Sua ganância empobrece a terra e deixa atrás de si os desertos."
Chefe Si'ahl, líder do Povo Dkhw’Duw’Absh, em 1855.

"É passar dos limites, que os limites recuam."
Fabrício Carpinejar.


O que os atentados da Noruega revelam sobre a crise econômica


Atentado na Noruega é a ponta de um fenômeno que pode ser catastrófico para a humanidade

Ricardo Cabral
Vivemos hoje uma das maiores crises econômicas das últimas três décadas. Nos cadernos de economia da grande mídia, os fatos aparecem isolados, como recessões pontuais desconectadas umas das outras. A verdade, porém, é que a crise que hoje assombra a Europa teve início há exatos quatro anos – e seus desdobramentos podem ser muito mais graves do que imaginamos.
Em 2007, uma crise imobiliária fortíssima atingiu os Estados Unidos, quando milhares de cidadãos, impulsionados pelo crédito fácil, contraíram altas dívidas em hipotecas. Com o aumento das taxas de juros e a diminuição dos preços dos imóveis, uma quantidade surpreendente de americanos teve seu patrimônio dilacerado. Ao cabo de alguns meses, a situação levou a uma onda de calotes e de baixas no consumo. Em 2008, as circunstâncias eram tais que acabaram deflagrando o estouro de uma bolha financeira, cujo marco inicial foi o colapso do Lehman Brothers e do Merrill Lynch.
A ameaça de quebra de bancos e seguradoras, à época, gerou um abalo profundo nas principais bolsas ao redor do mundo e levou crise a diversos países, centrais e periféricos, na entrada do ano de 2009. Poucos foram os Estados que seguraram a onda, como o Brasil, que experimentava um processo de intenso crescimento econômico no último triênio do governo Lula.
Nesse contexto, ao longo dos últimos dois anos, observamos diversos pacotes de austeridade econômica tentando ser aprovados nos parlamentos europeus, enquanto Irlanda, Grécia, Portugal e Espanha, por exemplo, caíam em profunda depressão. Assim, para responder às crises, dos EUA à Zona do Euro, bilhões de dólares de contribuintes eram utilizados para sanar os prejuízos deixados por banqueiros e megainvestidores milionários.
Agora, ainda que os jornais pouco falem sobre o assunto estruturalmente, estamos em uma intensa crise do sistema capitalista. Além de se espalhar pela Europa – atingindo outros países, como a Alemanha e a Itália –, ela está de volta aos EUA, com a crise da dívida, e já ameaça chegar ao Brasil, durante o governo Dilma.
“Somente uma crise – real ou pressentida – produz mudança verdadeira. Quando a crise acontece, as ações que são tomadas dependem das ideias que estão à disposição. Esta, eu acredito, é nossa função primordial: desenvolver alternativas às políticas existentes, mantê-las em evidência e acessíveis até que o politicamente impossível se torne o politicamente inevitável.”
A conclusão é de Milton Friedman, o guru do capitalismo neoliberal. E ele tem toda razão. Neste momento, como vemos nos movimentos populares europeus, os danos abandonaram a virtualidade do capital financeiro para atingir a vida real, com sérios prejuízos socioeconômicos, já que a pauta anticrise dos governos é a mesma: privatizações e cortes profundos nos direitos sociais.
Nesse contexto, abre-se um leque de possibilidades de futuros acontecimentos. Um deles, de que o atentado na Noruega é símbolo, é a ascensão de governos neofascistas, como já vimos acontecer depois da Crise de 29. O episódio norueguês, como sabemos, não é um caso singular. Na Suécia, um homem foi preso na cidade de Malmö, acusado de envolvimentos em uma dúzia de tiroteios contra imigrantes. Nos EUA, o Tea Party ganha força. Na Alemanha, com o recém-fundado A Liberdade, já são quatro os partidos de extrema-direita. Na França, pesquisas apontam que a Frente Nacional, ultraconservadora, pode chegar ao segundo turno. Na Holanda, o Partido para a Liberdade do Povo Holandês, também de extrema-direita, acabou de conquistar 15,5% de votos nas eleições de 2010.
Outra possibilidade, que cabe à (verdadeira) esquerda mundial, é aproveitar o momento de mobilização popular para mostrar as contradições inerentes ao capitalismo, um sistema que não pode ser reformado, como pregam os socialdemocratas. Um sistema de organização socioeconômica que deixa, hoje, mais de dois bilhões de pessoas em situação de fome e que faz aumentar, cada vez mais, a distância entre ricos e pobres. A juventude mundial, que ocupa as praças ao redor do mundo, de Portugal ao Egito, deseja mudanças. Mas sem organização política, sem um projeto de sociedade, elas não acontecem. E que venha a luta.

Ricardo Cabral é jornalista e pesquisa na área de comunicação, cultura e política. Entre em contato com o autor pelo twitter @_ricardocabral



Fonte: http://carosamigos.terra.com.br/

A crise na Europa e uma esquerda desorientada